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P. Manuel Barbosa, scj
Cuidar da vida comum
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Nestes tempos de pandemia têm surgido orientações e reflexões para a vida cristã em família, em comunidade, em Igreja, que ajudam a renovar o cuidado pela vida comum, no sentido dito pelo Papa Francisco numa recente catequese: “Para sair de uma pandemia, é preciso cuidar-se e cuidar uns dos outros… Cuidar é uma regra de ouro da nossa condição humana e traz consigo saúde e esperança. Cuidar dos doentes, dos necessitados, dos abandonados: esta é uma riqueza humana e também cristã”.

Na abundância do que tem sido publicado e neste dinamismo de cuidar da vida comum, destaco dois documentos.

O primeiro, do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso e o Conselho Mundial de Igrejas – “Servir um mundo ferido em solidariedade inter-religiosa: Um apelo cristão para refletir e agir durante e depois da Covid-19” – é uma excelente reflexão inspirada na parábola do Bom Samaritano.

Começa por questionar: “O que significa para os cristãos amar e servir o seu semelhante num mundo onde a pandemia da Covid-19 causou um sofrimento generalizado?” Depois de focar a atual crise, aponta a solidariedade inter-religiosa, apoiada pela Esperança e baseada na Trindade de um Deus em Três Pessoas, como resposta essencial a essa questão.

Sete princípios orientam esta solidariedade: humildade e vulnerabilidade; respeito; comunidade, compaixão e bem-comum; diálogo e aprendizagem mútua; arrependimento e renovação; gratuidade e generosidade; amor. Cada um a merecer amplo desenvolvimento…

Esta reflexão, profunda e clara para estes tempos tão duros que passamos, termina com sete recomendações aos cristãos para servirem o próximo e cuidarem da vida comum: encontrar caminhos para ajudar as pessoas que sofrem, estando sempre atentos…; promover uma cultura de inclusão que considere os diferentes dons de Deus; alimentar a solidariedade por meio de uma espiritualidade praticada; alargar a formação dos clérigos, consagrados, leigos, agentes pastorais e estudantes; chamar e apoiar os jovens, cujo idealismo e energia poderão ser o antídoto para a tentação do cinismo, no esforço de curar o mundo ferido de que fazemos parte; criar espaços para diálogo que seja abrangente e inclusivo; reestruturar projetos e processos para a solidariedade inter-religiosa… Enfim, servir juntos um mundo ferido torna-nos próximos de todos.

O segundo documento – “O dom da fidelidade e a alegria da perseverança” – é da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. Face a inúmeros abandonos na vida consagrada, convida as pessoas consagradas a voltar à alegria das origens da sua vocação, a renovar o dom da fidelidade de modo criativo, a testemunhar a alegria de levar a todos a consolação de Deus, alegria que é beleza da vida consagrada, a permanecer e perseverar com alegria no amor de Cristo. Diz o texto:

“Na perseverança revela-se o amor autêntico por Cristo de quem fixa os olhos do coração e da mente nele, como um atleta fixa a linha de chegada. Quando na vida falta a finalidade, tudo se torna pesado, vazio de sentido, e o amor mostra a sua inconsistência… As pessoas consagradas são chamadas por vocação a viver o discipulado e o seguimento como resposta de amor que implica a total adesão a Cristo no dom de toda a vida, se necessário até à oferta no martírio”.

Trata-se de um longo texto de orientação, em grande parte jurídico, a ser estudado pelos consagrados. Mas é bom que todo o povo de Deus tenha conhecimento destas orientações dirigidas em particular a esta forma de existência cristã, a vida consagrada como uma das vocações essenciais na Igreja.

Em tempo de pandemia, que estas duas reflexões, entre tantas outras, contribuam para bem cuidarmos da vida comum, cuidando sempre de nós mesmos e uns dos outros.