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Padre Pier Luigi Maccalli esteve sequestrado dois anos e oito meses
“Preparei-me para morrer…”
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Foi libertado há duas semanas no Mali depois de ter sido sequestrado na sua paróquia, no Níger, em Fevereiro de 2018. Na primeira grande entrevista já em Itália, o Padre Pier Luigi recorda como tudo se passou. O rapto, o dia-a-dia em cativeiro, o silêncio do deserto, as ave-marias rezadas com um terço feito de cordas e a libertação. Foram cerca de mil dias sob a ameaça de jihadistas. Um tempo impossível de esquecer...

 

Em cerca de trinta minutos, o Padre Pier Luigi Maccalli fala pela primeira vez, perante as câmaras de televisão do programa “La minute interview”, da Sociedade das Missões Africanas, do tempo de sequestro às mãos de um grupo terrorista no Mali. Libertado há duas semanas, o missionário italiano, de 59 anos de idade, reconhece estar ainda “um pouco confuso” com “tanta alegria e emoção”. O rapto aconteceu a 17 de Setembro de 2018. Estava em casa, na paróquia, em Bomoanga. Ouviu barulho, resolveu investigar e deparou-se com um grupo de homens armados. “Gritei, foi uma confusão.” Amarraram-lhe as mãos. Partiram. “Estava atónito, completamente impreparado para o que me aconteceu.” Era o começo de um tempo de cativeiro que se iria prolongar até Outubro de 2020. Durante todos esses dias, cerca de mil, nunca o trataram mal fisicamente. Houve apenas pressão psicológica.

 

“Nunca me bateram…”

“Nunca me fizeram mal, nunca me bateram, podem ter-me dirigido palavras mais fortes, mas no geral, à medida que os dias passavam, sentia que o pior não ia acontecer… eu preparei-me para morrer, mas disse para mim que talvez não fosse o caso. Respeitavam-me. Era o velho, chamavam-me ‘shébani’ – o velho – o objectivo era mais converter-me ao Islão.” Ao fim de algum tempo, o Padre Pier Luigi foi perdendo noção do local onde se encontrava. Percebia que se afastavam cada vez mais de Bomoanga, pois andavam dia e noite. “Chegámos, penso eu, ao norte do Burkina, vimos o rio Níger, e a zona era deserta… sem nada e eu pensava: ‘onde vamos? Onde estamos?’ E aí chorei.” (…) “Senti-me perdido. Foi um momento de angústia e disse: ‘Senhor, onde estás?’”

 

O conforto de Deus

Perdido, mas não abandonado. Apesar de não conseguir compreender em que lugar se encontrava, o Padre Pier Luigi sentia o conforto da presença de Deus. “Estava… perdido. Mas, graças a Deus, nunca me senti abandonado. Sim, gritei com Deus, zanguei-me com Ele, mas sentia que Ele estava presente e que podia falar com Ele porque foi a Sua presença que me susteve em todas as horas.” No cativeiro havia algumas rotinas. “O tempo era longo”, diz o missionário italiano, “mas as manhãs passavam um pouco mais depressa…” Na entrevista, Pier Luigi recorda que, de manhã, “quando me tiravam as correntes que tinha nos pés durante a noite, levantava-me, fazia uma pequena ‘toilette’, podia andar um pouco, rezava o terço que tinha feito com uma corda, depois ia aquecer água, tínhamos uma pequena reserva de cebolas e outras coisas para cozinhar, e pronto, cuidávamos do lume que tínhamos… havia um outro refém – Nicolas – trocávamos algumas palavras, havia sempre qualquer coisa a dizer…”

 

Um rádio ligado ao mundo

E havia também um pequeno rádio. Foi-lhes oferecido no dia 20 de Maio. “Ouvíamos as notícias, a Rádio Vaticano, a BBC, para ouvir outras vozes, ver como o mundo continuava a andar, as notícias… porque uma das coisas mais duras é não ter qualquer comunicação com o exterior…” Com os raptores o diálogo era difícil. “Eram jovens, não falavam francês nem qualquer outra língua que conhecemos…” Almoçavam por volta das 11 horas, descansavam do calor debaixo de alguma árvore… “Nunca tivemos outro tipo de abrigo…” “A tarde era ainda mais longa, esperar que passasse todo aquele tempo, e depois o serão, aproveitávamos o fresco para andar, rezava mais um terço até ao pôr-do-sol… o sol nascia, o sol punha-se, a noite era sempre um céu estrelado lindo, sobretudo no Saara, no deserto… e falávamos com as estrelas, punham-nos as correntes e esperávamos pelo dia seguinte.”

 

A libertação

O anúncio da libertação aconteceu no dia 6 de Outubro, uma terça-feira. “Penso que estávamos na fronteira da Argélia com o Níger, mas ainda em território do Mali.” Andaram de carro durante várias horas. “No dia 8 de manhã, depois da oração muçulmana que fizeram, partimos. E fomos ter a um lugar com arbustos e aí encontrámos Sophie Petronin, a refém francesa e o senhor Soumaïla Cissé, um político do Mali que tinha sido raptado há seis meses, enquanto a Sophie há quase quatro anos que era refém. Era médica em Gao.” Dali até ao aeroporto de Tessalit ainda apanharam uma tempestade de areia e chuva. No aeroporto estava já um avião militar que levou até Bamako, a capital do Mali, o Padre Pier Luigi e o outro ex-refém italiano. Ambos eram aguardados por representantes do governo de Roma. Chegaram à capital italiana na manhã de quinta-feira, dia 8 de Outubro. Nessa manhã, o Padre Pier Luigi voltou a celebrar a Eucaristia.

 

A religiosa ainda refém

Na entrevista, Pier Luigi Maccalli agradece toda a solidariedade, todas as orações pela sua libertação. E pede para se continuar a rezar pois há outros reféns, outras pessoas em cativeiro. É o caso da Irmã Franciscana Gloria Narvaez Argoti. “[É preciso] continuar a rezar porque ainda há outros reféns e, tendo partilhado o seu sofrimento, é duro, é longo e muito difícil. É mesmo preciso que peçamos a Deus que sejam fortes, que tudo passe, em particular uma irmã religiosa colombiana, a Irmã Gloria, de quem recebi ecos através da Dra. Sophie Petronin que esteve com ela, que já lá está há muito tempo e começa a ter problemas de saúde psicológicos e é preciso que a possamos ajudar.” A libertação do Padre Pier Luigi foi uma vitória do bem contra o mal. Uma vitória que tem de nos comprometer cada vez mais no apoio a estas comunidades cristãs acossadas por terroristas, vítimas de violência e discriminação. Cada padre, cada irmã presente hoje em dia no Mali, no Níger, na Nigéria, no Burkina Faso, e em tantos outros países de África, é um alvo dos terroristas. Ajudar estes sacerdotes, estas religiosas, estas comunidades cristãs é a melhor maneira de podermos agradecer toda a coragem do Padre Pier Luigi ao longo destes dois anos e oito meses de cativeiro.

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