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António Bagão Félix
Um renovado encontro com a Natureza
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A mais recente Encíclica do Papa Francisco, Fratelli Tutti é um documento notável, que “não pretende resumir a doutrina sobre o amor fraterno, mas detém-se na sua dimensão universal, na sua abertura a todos”. A sua mensagem merece ser lida, reflectida, divulgada de um modo integral, tal a densidade de diagnóstico das “sobras de um mundo fechado” mas, sobretudo, da esperança virtuosa dos “percursos de um novo encontro”.

Será matéria sobre a qual penso debruçar-me mais exaustivamente. Por agora, tento fazer a ponte entre a essência da anterior Encíclica Laudato Si e da mensagem de Fratelli Tutti, a propósito de um desafio que está cada vez mais presente quando falamos do nosso devir universal. Refiro-me ao respeito sagrado pela Natureza.

A ideia de uma integral e pluridimensional ética refuta a ideia moral de pôr o Homem à parte da Natureza, como se esta e todos os outros seres vivos não tivessem direito aos nossos deveres para com eles. O conceito de dignidade, numa perspectiva teleológica, não diz apenas respeito aos seres vivos (seres humanos, animais, plantas) como a todos os seres não vivos (oceanos, cursos de água, atmosfera, etc.). A ética não se esgota numa perspectiva meramente antropocêntrica, com o ser humano desligado do mundo natural. Deve constituir uma ética radicalmente humana, mas abrindo-se também ao mundo natural. Na Laudato Si, o Papa Francisco alerta-nos para uma lógica de crescimento como se fôssemos “proprietários e dominadores, autorizados a saquear” os bens do planeta e chama a atenção para “a fraqueza das reacções perante os gemidos da irmã Terra”.

O valor da natureza não pode ser meramente instrumental. Um mero reservatório de recursos. Ou coisificado, pela apropriação e transformação do mundo natural. Antes exige uma visão biocêntrica que nos possa conduzir a um ideal ético de harmonia do homem com a natureza. Daí e desde logo, a afirmação da ética do cuidar e do princípio preventivo que lhe está associado. Ao menos, ditada pelo princípio da necessidade.

Não esqueçamos que a nossa vida no planeta depende muito da vida vegetal, graças à fotossíntese e ao milagre da transformação da energia luminosa em energia química, que nos permitem viver. A fotossíntese é o verdadeiro motor da vida: água, luz e dióxido de carbono para nos libertarem oxigénio.  Haverá dádiva maior?

Nesta sua nova Encíclica, Francisco adverte-nos para a sustentação do nosso planeta: “Quando falamos em cuidar a casa comum que é o Planeta, fazemos apelo àquele mínimo de consciência universal e de preocupação pelo cuidado mútuo que ainda possa existir nas pessoas”. E acrescenta: “Se alguém tem água de sobra, mas poupa-a pensando na Humanidade, é porque atingiu um nível moral que lhe permitiu transcender-se a si mesmo e ao seu grupo de pertença. E conclui: “isto é maravilhosamente humano!

O certo é que as leis do mercado têm prevalecido egoisticamente sobre as leis da Natureza. As estatísticas não reflectem a realidade da terra, do ar e do mar. O chamado PIB é cada vez mais um indicador imperfeito e incompleto. Não toma em conta a apreciação ou a depreciação do activo ambiental e dos recursos naturais. Já se fala, com insistência, em outras formas de medir a riqueza e o desenvolvimento, considerando não apenas o que se produz como activo da sociedade, mas deduzindo-lhe o passivo que resulta da depreciação ou destruição de bens naturais indispensáveis ao bem-estar colectivo (água, solos, florestas, pescas, reservas minerais). Provavelmente se isto fosse tomado em conta, a degradação e a destruição da floresta, por exemplo, teriam provocado quedas do PIB. Quem sabe se esta mudança estatística, só por si, não permitiria uma atenção maior a estes sectores, pois que deste modo os governantes se sentiriam mais escrutinados….

Ligando, neste ponto, as duas Encíclicas, bem se pode dizer que a salvação libertadora passará sempre pela ordem do Amor. O amor da verdade, o amor da humanidade ou do próximo, o amor da liberdade e o amor da reconciliação. Voltando a Fratelli Tutti, escreve o Papa que “as pessoas até podem desenvolver algumas atitudes que apresentam como valores morais: fortaleza, sobriedade, laboriosidade e outras virtudes: Mas para orientar adequadamente os actos das várias virtudes morais, é necessário considerar também a medida em que eles realizam um dinamismo de abertura e união para com outras pessoas. Este dinamismo é a caridade, que Deus infunde”.

 

Este texto segue a ortografia anterior ao chamado “Acordo Ortográfico”