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Isilda Pegado
INSEMINAÇÃO POST MORTEM. O que é, e o que está em causa
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1. Sem grande projeção pública, foi no passado dia 23 de Outubro aprovado no Parlamento o Projeto de Lei 223/XIV para permitir a Inseminação Post Mortem. Falta ainda a votação final.

Trata-se de uma prática de reprodução artificial que permite que uma mulher seja inseminada com sémen do marido ou companheiro já falecido. O que levanta sérias questões éticas e sociais. Dela resulta que teremos crianças que deliberadamente, são órfãs, desde a concepção.

Do projeto-lei apresentado resulta ainda que essa mulher, pode voltar a casar e, mesmo neste caso ser inseminada com sémen do primeiro marido (falecido). Sendo que nesta circunstância é havido como pai da criança o segundo marido (caso este tenha consentido na Inseminação).

2. O Tribunal Constitucional tem tido particular atenção (e muito bem) na defesa do direito à identidade genética e historicidade de cada pessoa. Aquele que está por nascer, não pode escolher quem “lhe deu a cor dos olhos” ou a doença hereditária de que sofre. Mas tem no mínimo o direito a conhecer de onde vem e, saber de quem é filho. Por isso, o Acórdão proferido quanto às chamadas “barrigas de aluguer” declarou inconstitucional o anonimato do dador. O valor de cada Vida Humana e a sua dignidade são pedras basilares da nossa Sociedade, Cultura e Constituição.

3. Os momentos de sofrimento, merecem todo o nosso respeito e empenho para o minorar. Mas, tal como na “alegoria da caverna” tem de existir quem esteja “fora” desse sofrimento para ver tudo o que está em causa quando uma criança vier a saber que já foi concebida órfã. É ou não desejável que cada pessoa tenha pai e mãe? Não é esta a expectativa de cada um de nós?

4. O Ser Humano, não se reduz a um “remédio” para o que quer que seja. Cada pessoa tem uma Dignidade que não se compadece com a instrumentalidade de uma decisão mais ou menos apaixonada ou sofrida.

A Sociedade, o Estado, as Instituições têm um papel regulador que está muito além do que pode ser a soma de vontades individuais. Ainda que sejam muitas.

5. Em 2006, quando pela primeira vez foi feita esta Lei da Reprodução Artificial ou Procriação Medicamente Assistida (PMA) foi expressamente proibida a Inseminação Post Mortem. A Lei foi feita num tempo em que o governo era PS, e este tinha a maioria absoluta no Parlamento. Nessa altura não se pensou nesses casos? Ou de facto há valores e princípios que, para a defesa de todos, e em especial dos que não têm voz (porque não nascidos), têm de ser juridicamente tutelados?

Já por três vezes (2012, 2015 e 2016) foi tentada através projetos-lei do PS que a Inseminação Post Mortem fosse aprovada. Mas todos foram chumbados.

A Lei é apenas uma vontade conjuntural? Ou há valores a que se deve obedecer para defesa do Bem-Comum? Será que tudo o que é possível fazer, se pode fazer? Porque foi negado em 2012, 2015 e 2016 a Inseminação Post Mortem? As engenharias sociais têm efeitos na Sociedade? Que futuro construímos? Uma lei é apenas para alguns? Ou, uma vez aprovada é para todos?

6. Por outro lado, e apenas a título de exemplo que questões sucessórias traz a Inseminação Post Mortem? Imaginemos que morre o António e deixa um filho, o João. Por causa de uma doença, o António tinha deixado sémen criopreservado. A herança do António fica à espera por quanto tempo de uma possível inseminação? Quantas vezes pode ser feita a inseminação? É aberta a herança logo após a morte do António ou ficará à espera durante três ou cinco anos? Ou, depois do João ter recebido os bens do pai (e até de os ter vendido), vem a ter um irmão que com ele é herdeiro? Esse filho é herdeiro do pai que faleceu antes de ele ser concebido? E se não chegar a nascer? Quantos anos se espera pela inseminação? E se nasceu, mas apenas vive uns dias, e morre – a mãe desta criança (que não é mãe do João) vai herdar do António, em pé de igualdade, com o filho João?

Quais as consequências ontológicas, sociais, legais, hereditárias de uma Lei destas? Qual a sua utilidade? 

O Parlamento vai mesmo aprovar esta Lei da Inseminação Post Mortem?