Entrevistas |
Padre Ricardo Freire, biblista e pároco de São José do Bairro da Boavista, em Lisboa, sobre o Ano de São José
“Trazer São José até nós”
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São José “define-se pela relação com Jesus e com Nossa Senhora”. A opinião é do padre Ricardo Freire, biblista e pároco de São José do Bairro da Boavista, em Lisboa. Em entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, por ocasião da carta apostólica ‘Patris corde’, com que o Papa Francisco convoca o Ano de São José, este sacerdote dehoniano considera que o esposo de Maria “pode ter sido uma das primeiras imagens da paternidade de Deus”, e deseja que, este ano especial, possa “fazer crescer” nos cristãos “as características de São José”.

 

Com a carta apostólica ‘Patris corde’ (‘Com coração de Pai’), o Papa Francisco convocou o Ano de São José, que se vai prolongar até 8 de dezembro de 2021. Quem é São José? O que as Sagradas Escrituras nos dizem acerca desta personagem silenciosa?

As Sagradas Escrituras dizem-nos muito pouco de São José. Dizem-nos que, antes de ser conhecido pela sua linhagem, que é da linhagem de David, é conhecido sobretudo por ser o noivo de Maria. E, portanto, depois também, pela relação com Jesus. Penso que isto é importante dizê-lo, porque, de certa forma, mostra-nos como é que ele se define: define-se pela relação com Jesus e com Nossa Senhora. Isso também é importante – e o Papa refere isso na carta –, pelo facto de, segundo a tradição de São Mateus, ser ele a dar o nome ao Menino Jesus, o que mostra que ele é alguém importante, e a sua linhagem de David mostra que Jesus vem em continuidade com aquilo que são as promessas à dinastia de David e, portanto, as promessas messiânicas do Antigo Testamento.

 

Qual a importância que São José teve na vida de Jesus e de Nossa Senhora, e na história da salvação?

Desde logo, parece-me que deve ser muito importante – e o Papa também lembra isso, no início da carta –, porque Jesus quis ser chamado, como dizemos por vezes nas orações, o Filho do carpinteiro. Portanto, mais do que apanhar essa linhagem da dinastia davídica, parece que Jesus passa a ser conhecido no mundo humano como alguém da família desse carpinteiro. Em segundo lugar, penso que é importante também, logo nos inícios, porque todos imaginamos o que seria, por exemplo, uma mulher sozinha, naquela sociedade, a ser a Mãe do Filho de Deus e, portanto, São José é importante também por essa adoção. Parece-me ser alguém também muito importante como aquele que ensina Jesus – para usar, mais uma vez, palavras do Papa Francisco –, aquele que ensina Jesus a caminhar, aquele que ensina a Jesus os primeiros passos. E depois, algo que vem muito da tradição da Igreja, e é assim que o Papa João Paulo II o quis fazer conhecido, como aquele que protege, e que protege a Sagrada Família, protege Nossa Senhora, protege Jesus, e com certeza, hoje, também nos proteja a nós.

 

O Papa refere, nesta carta apostólica, que São José é uma “figura extraordinária, tão próxima da condição humana de cada um de nós”, e elenca sete pontos [ver caixa] sobre o seu exemplo. Qual a atualidade de São José, nos dias de hoje?

A atualidade pode vir exatamente desses sete pontos. Se estamos atentos a lê-los, normalmente o Papa começa por elencar aquilo que sabemos de São José e que vai dar àqueles pontos, como ele os vê; mas depois, ele faz toda uma referência espiritual e um caminho que nos ajuda a perceber a atualidade de São José. No caso concreto, o facto de ser um pai amado, o pai da ternura, e acho muito interessante porque as referências que o Papa Francisco vai utilizar são referências de Deus, e que nos mostram, de certa forma, como é que São José pode ter sido uma das primeiras imagens da paternidade de Deus, para o Menino Jesus. E mostra de facto – até porque todos estes sete pontos são sobre o pai – como São José continua a ser uma referência para os nossos pais. Até num país como Portugal, onde celebramos o Dia do Pai no dia de São José, penso que pode ser muito interessante também para dar uma referência do que é o pai cristão, até nos tempos que estamos a viver.

 

Deus fez-se homem num ambiente em que pai e mãe se amam e se ajudam. Considera que o Ano de São José poderá ajudar a valorizar a paternidade e a aprofundar o que isso significa?

Penso que sim, com insistência até na pastoral da Igreja sobre a questão familiar, que muitas vezes pode ser entendida como se fosse uma questão ideológica da Igreja, mas não é. É algo que nós vamos buscar até àquilo que é a referência da vivência de Jesus na sua família. Portanto, vemos aqui que tudo poderia cair sobre Maria, até pelo facto de termos poucas referências a São José, mas de certa forma – e isso parece-me também que é evidente naquilo que o Papa Francisco tenta transmitir-nos –, mostra-se aqui que nem Maria anulou os papéis de São José, nem o papel de São José anula e deixa na sombra a figura de Maria. Os dois são importantes naquilo que é a educação de Jesus. Isso é patente, sobretudo, no momento em que Maria encontra Jesus no templo de Jerusalém e não se refere apenas a Ela, mas diz: ‘Teu pai e eu estávamos atarefados à tua procura’. Portanto, mostra aqui que os dois funcionam em sinergia e penso que podem ser uma boa imagem daquilo que é a família cristã na educação dos filhos, na preocupação e no cuidado dos filhos.

 

Considera que o Ano de São José é uma boa oportunidade para a santidade?

Sim. No final da carta apostólica, o Papa Francisco faz-nos esta provocação: ‘Os Santos ajudam todos os fiéis «a tender à santidade e perfeição do próprio estado». A sua vida é uma prova concreta de que é possível viver o Evangelho.’ Porque é que referencio isto? Porque é algo que me marcou bastante, pessoalmente, há uns anos, na exortação apostólica ‘Evangelii Gaudium’, quando o Papa Francisco fala da piedade popular. Mais do que algo que vem de muita Teologia, ou de muita proximidade àquilo que é a leitura da Bíblia, até porque pouco se diz dele, São José é sobretudo exaltado pela tradição popular e pela relação dos cristãos com ele. O Papa diz que os santos, e a devoção popular, são uma oportunidade que o cristão tem de perceber algumas virtudes cristãs que os santos viveram e que podem apropriar-se dessas virtudes. Acho muito interessante pensarmos naquilo que são as nossas tradições de devoção popular: a pessoa que, numa paróquia, vai pôr uma vela a São José, a dizer ‘Eu quero esta tua característica, este teu cuidado pelo Menino, eu quero também ter este cuidado com os meus filhos, com os meus netos’; a pessoa que carrega um andor de São José numa procissão, que pode ter este mesmo pensamento.

Sobretudo, que esta relação com São José, especialmente neste ano, possa de facto fazer crescer em nós aquilo que são as virtudes de São José. Penso que seria muito triste se fosse um ano para admirarmos apenas pinturas ou estátuas, porque são bonitas, mas deve ser algo que nos faz trazer São José até nós, para nos apropriarmos daquilo que são as suas características e que fizeram dele, de facto, a tal pessoa extraordinária.

 

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Oração do Papa a São José*

 

Salve, guardião do Redentor

e esposo da Virgem Maria!

A vós, Deus confiou o seu Filho;

em vós, Maria depositou a sua confiança;

convosco, Cristo tornou-Se homem.

 

Ó Bem-aventurado José, mostrai-vos pai também para nós

e guiai-nos no caminho da vida.

Alcançai-nos graça, misericórdia e coragem,

e defendei-nos de todo o mal. Amen.

 

* publicada no final da carta apostólica ‘Patris corde’

 

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As sete características de São José

(Apontadas pelo Papa Francisco, na carta apostólica ‘Patris corde’)

1. Pai amado

2. Pai na ternura

3. Pai na obediência

4. Pai no acolhimento

5. Pai com coragem criativa

6. Pai trabalhador

7. Pai na sombra

 

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“Ano de São José é uma oportunidade pastoral que não pode ser passada em branco”

Enquanto pároco de uma paróquia (Bairro da Boavista) que tem como orago São José, que significado teve a convocação deste ano especial? Pensam organizar alguma iniciativa?

Como pároco, quando ouvi ‘Ano de São José’, primeiro fiquei surpreso – acho que ninguém estava à espera que estivesse para acontecer este anúncio –, mas claro que vi em tudo isto uma oportunidade pastoral, que não pode ser passada em branco, mas que deve levar a comunidade a perceber aquilo que é a proposta do Papa Francisco e, a partir disso, a evoluir no sentido de se apropriar desta santidade.

Quando tomei posse da paróquia, dei conta que havia uma festa que era organizada pela comunidade cabo-verdiana, não apenas do Bairro da Boavista, mas com alcance amplo e internacional – vários cabo-verdianos emigrados noutros países europeus voam até Lisboa para participar nesta festa –, que tem a dimensão de criar comunidade e de prestar honra a este grande santo, que é São José. Em março passado, não foi possível celebrá-la – portanto, eu como pároco ainda não celebrei nenhuma –, e anulámos a festa duas semanas antes da pandemia. Agora, podia ser até uma boa nota da evolução positiva da pandemia que se pudesse celebrar neste próximo ano. Vou quase avançar a dizer que, se não for possível a 19 março, que seja numa outra data.

 

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Perfil

Pároco de São José do Bairro da Boavista, em Lisboa, desde setembro de 2019, o padre Ricardo Freire foi ordenado em 2006, na Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus (Dehonianos) e é formador no Seminário de Nossa Senhora de Fátima, em Alfragide, no pós-noviciado. Este sacerdote biblista, de 41 anos, costuma lecionar na Universidade Católica Portuguesa – “este ano, não estou a dar aulas, mas o ano passado colaborei nas Ciências Religiosas” – e, neste ano pastoral, está a colaborar também com a Escola de Leigos, em Rio de Mouro, com o módulo ‘Introdução ao Antigo Testamento’.

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