Entrevistas |
Manuel Girão, novo diretor do Departamento da Pastoral Socio-Caritativa e do Sector da Pastoral Social
“O principal ganho que a pandemia nos trouxe é que nós não nos bastamos sozinhos”
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O novo diretor do Departamento da Pastoral Socio-Caritativa e do Sector da Pastoral Social aponta como desafio deste departamento o “tentar congregar e mediar” o que é desenvolvido pelas diferentes realidades deste sector, em toda a diocese. Em entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, Manuel Girão garante que o principal ganho trazido pela pandemia é que “não nos bastamos sozinhos”, e projeta a continuidade das Semanas Vicariais da Caridade e a realização do Congresso Diocesano da Pastoral Socio-Caritativa, que será um “momento de encontro, estímulo e testemunho”.

 

Foi nomeado, recentemente, diretor do Departamento da Pastoral Socio-Caritativa e do Sector da Pastoral Social do Patriarcado de Lisboa. Como encara este desafio? Quais os principais objetivos da nova equipa?

Numa primeira fase, encarei com alguma apreensão, porque talvez não seria a pessoa que se esperaria para o cargo e porque não fazia parte do grupo de trabalho mais restrito do departamento. Fui convidado para fazer parte quando o cónego Crespo era ainda o diretor, e depois achou-se por bem que fosse eu o diretor, para servir um pouco de mediador entre as várias realidades. O grande desafio deste departamento é o de tentar congregar e mediar tudo aquilo que é desenvolvido pelas diferentes realidades: Cáritas, Federação Solicitude, Misericórdias e todas as outras. Muito mais do que um diretor, o meu papel será o de mediador e de facilitador. Por isso, encaro esta nomeação com uma vontade de criar sinergias entre as várias partes. Queremos muito que estas realidades trabalhem entre elas, até porque, muitas vezes, não têm conhecimento daquilo que são as mais valias das outras, até em questões muito práticas.

 

No início do ano pastoral passado (2019-2020), a Diocese de Lisboa começou um ano dedicado à caridade, no contexto da receção sinodal, e que teve muitas das iniciativas previstas interrompidas devido à pandemia. Neste momento, prevê ainda a concretização de algumas Semanas Vicariais da Caridade ou outras iniciativas nesse contexto?

Apesar da pandemia, é nosso objetivo, e também objetivo do senhor Patriarca, que estas semanas continuem, até porque temos percebido que houve um desenvolvimento muito interessante dessas semanas dedicadas à caridade, pelo menos até março, principalmente no aspeto do conhecimento do movimento de Igreja que existe na vigararia ou comunidade. Depois, aquelas vigararias que tinham as semanas marcadas acabaram por não as desenvolver, à exceção de uma ou outra, que desenvolveu alguma atividade recorrendo ao online.

A nossa intenção é que, em 2021, possamos retomar essas semanas e, no Congresso da Pastoral Socio-Caritativa, em maio, que vai acontecer, seja online, presencial ou misto, possamos fazer alguma partilha do que já foi feito, até para incentivar e estimular.

 

Como está a decorrer a preparação do congresso, previsto para 14 e 15 de maio, em Torres Vedras?

Se tivéssemos que definir, por palavras simples, este congresso seria um momento de encontro, estímulo – na perspetiva de que aqueles que forem partilhar as suas experiências sirvam de estímulo para outros –, e testemunho. E, a partir daí, que possa ser também um ponto de partida.

O programa terá duas vertentes: uma muito virada para as instituições, para as organizações sociais da Igreja, em que pretendemos trabalhar algumas áreas de reflexão, formação, dedicadas aos profissionais; no segundo dia, projetamos um programa mais dedicado às comunidades, aos movimentos e voluntariado das paroquiais e organizações.

O congresso terá também a presença de alguns convidados, a quem reconhecemos que podem acrescentar um contributo, e vamos ainda dedicar muito tempo a testemunhos, para estimular e aplicar as boas práticas. Pretendemos que a dinâmica de estímulo, partilha e encontro seja comum aos dois dias.

 

Quando começará a divulgação?

A nossa intenção é começar a divulgar o congresso em fevereiro, então para dar a conhecer e lembrar as datas. Depois, em março, prevemos uma divulgação mais massiva, já com o programa fechado e com o início das inscrições.

O que o senhor Cardeal-Patriarca nos pediu é que este congresso se realize, para que não seja adiado novamente. Agora, se se vai realizar com pouca presença das pessoas no local e depois com uma expressão mais forte online, ou se vai ter mais expressão física e uma expressão online para dar um reforço, não sabemos... Para já, achamos que, possivelmente, será sempre misto: presencial, com o número de participantes possível, e online, para abrir ao resto da comunidade que não se pode deslocar a Torres Vedras.

 

A pandemia veio testar, nos últimos meses, a resiliência das instituições de solidariedade social. Na sua opinião, também enquanto profissional deste sector, quais são os maiores ganhos para as instituições trazidos pela pandemia?

O principal ganho que a pandemia nos trouxe é que nós não nos bastamos sozinhos, ou seja, nenhuma instituição, independentemente da sua dimensão, consegue nada sozinha. Percebemos que se trabalharmos em equipa, se nos juntarmos, se nos unirmos, se aproveitarmos as sinergias, somos muito mais fortes. Esse será o maior legado e estou certo de que muitas instituições vão deixar de trabalhar de costas voltadas umas para as outras e viradas sobre si mesmas.

Outro exemplo tem a ver com duas áreas que nunca trabalhavam em conjunto: a área social e a área da saúde. Com a pandemia, os dois ministérios tiveram que trabalhar em conjunto porque este passou a ser um problema social e de saúde. Esta pandemia vem-nos mostrar que só há um caminho, que é trabalhar em equipa e aproveitar as sinergias. Também, durante a pandemia, os centros sociais, quando precisavam de ajuda, recorreram uns aos outros. Se um tinha um bom fornecedor de máscaras, dava os contactos, se um tinha mais luvas, emprestava, se um conseguiu os testes... As instituições perceberam, de uma vez por todas, que ninguém se basta sozinho.

O segundo ganho tem a ver com a desmaterialização de alguns processos. A pandemia veio mostrar que, muitas vezes, estamos focados em processos muito burocráticos, muito presenciais e este contexto veio mostrar que é possível fazer as coisas de uma forma mais rápida, mais ligeira, utilizando muito as tecnologias. Estou convencido de que muitas das instituições que eram pouco recetivas à modernização tecnológica tiveram que o fazer à força. E isso vai ficar.

Pela negativa, existe também algo que deixará marca nas instituições que é todo este aspeto de alguma incerteza quanto ao futuro e alguma falta de capacidade de as instituições preverem os projetos de futuro. A sensação que eu tenho é que a maioria das instituições vai sair disto muito em ‘stand by’, sem querer desenvolver muito o futuro por não saber o que as espera em termos sociais e económicos.

Esta situação lembra-nos também que não podemos manter o distanciamento social. Devemos manter o distanciamento físico, por questões de saúde, mas o distanciamento social nunca deve existir porque nós precisamos uns dos outros. Se nós conseguíssemos, no pós-pandemia, aproveitar para fazer ver a todos que é muito importante trabalhar em equipa, partilhar informação, aquilo que temos, vamos todos crescer.

 

Que balanço faz do papel socio-caritativo da Igreja, nos últimos meses, lidando com as consequências da pandemia?

Um balanço extremamente positivo. Em duas áreas: na sua capacidade do movimento paroquial em manter a chama acesa. Há muitos exemplos de comunidades que se mantiveram ativas, continuaram a ter catequese... Nas instituições sociais da Igreja, como as Misericórdias, os centros sociais e paroquiais, as Cáritas, o balanço é extremamente positivo e, até à data, não tenho informação de nenhuma instituição que tenha tido necessidade de dispensar pessoas, deixar de dar apoio àqueles que mais precisavam. Pelo contrário.

 

A nível pastoral, sobretudo junto das paróquias, o que ainda há por fazer no campo socio-caritativo?

Uma das coisas é dar a conhecer às paróquias o que se passa nessa comunidade do ponto de vista do movimento socio-caritativo. Ainda há muita falta de informação. Por isso, dizia que no congresso a nossa intenção é mostrarmos o que existe em cada vigararia, em cada paróquia. Isso é algo que queremos que seja feito para, pelo menos, as paróquias saberem o que existe e o que não existe.

Depois, nas paróquias que têm uma atividade socio-caritativa mais baixa, podemos encontrar estratégias de formação de grupos de trabalho, de motivação de equipas, de trabalho com voluntários, para que se possa criar alguma coisa, deixar sementes para que depois dê fruto. O grande problema é que quando uma paróquia não tem muita atividade socio-caritativa, é um ciclo vicioso: não tem atividade socio-caritativa porque não tem pessoas; não tem pessoas porque não tem atividade socio-caritativa; é um ciclo que tem de ser quebrado. Se todas as paróquias têm pessoas que precisam de ajuda, então a nossa intenção é, junto dessas paróquias, identificar as necessidades, criar grupos de equipas que, pelo menos, respondam a essas necessidades. Se de forma mais organizada ou estruturada, isso será sempre fruto da própria comunidade. Saliento duas coisas importantes: dizer o que há e não há em cada paróquia e deixar alguma semente. Esta é uma maratona, requer muita paciência, mas é importante fazer o levantamento e dar a conhecer quem somos, quantos somos, onde estamos e o que fazemos.

 

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Perfil

Manuel Girão tem 47 anos e foi nomeado pelo Cardeal-Patriarca de Lisboa, no dia 14 de dezembro, diretor do Departamento da Pastoral Socio-Caritativa e do Sector da Pastoral Social. Nasceu em Angola, é casado e tem três filhos.

Atualmente, vive em Mafra, onde também está empenhado no trabalho pastoral, colaborando na preparação dos jovens para o Crisma. Foi professor do Ensino Básico e lecionou, durante seis anos, na Escola Luís Madureira, da Santa Casa da Misericórdia da Amadora, onde também foi diretor. Em 2004, foi desafiado pelo então provedor da instituição a fazer um MBA em Gestão e, em 2005, foi convidado a assumir o cargo de diretor-geral da Santa Casa da Misericórdia da Amadora – função que desempenha atualmente. Por inerência, preside também ao Secretariado de Lisboa da União das Misericórdias Portuguesas.

Faz parte do Conselho Fiscal do Centro Social e Paroquial de Mafra e também dos órgãos sociais do Centro Social 6 de Maio, na Amadora. Preside ainda à assembleia geral da Associação ‘EmGrandeSer’, que tem como objetivo o trabalho com as famílias.

 

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Nova equipa

Juntamente com a nomeação de Manuel Girão como diretor do Departamento da Pastoral Socio-Caritativa e do Sector da Pastoral Social, o Cardeal-Patriarca de Lisboa nomeou ainda outros quatro elementos que constituem a equipa do departamento: André Costa Jorge, diretor do JRS – Serviço Jesuíta aos Refugiados; José António Parente, presidente da direção da Federação Solicitude; Almirante Luís Macieira Fragoso, presidente da Cáritas Diocesana de Lisboa; Diácono Vasco Rebelo, assistente espiritual.

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