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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
A tiara de Nossa Senhora
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A tiara era a tríplice coroa com que eram cingidos os Papas. São Paulo VI foi o último a receber esta insígnia, que já não foi usada pelos seus sucessores, na inauguração dos respectivos pontificados. Contudo, a tiara papal manteve-se na heráldica pontifícia, tendo sido modernamente substituída pela mitra, certamente mais de acordo com o carácter episcopal do ministério petrino que, mais do que poder é, sobretudo, serviço. Não em vão o romano pontífice é o servo dos servos de Deus.

É relativamente comum que, nas imagens de Nossa Senhora, conste também uma coroa, porque Maria é Rainha do Céu e da terra, como se recorda no quinto mistério glorioso do Santo Rosário. No nosso país, a esta realeza acresce aquela que foi concedida à Mãe de Deus por el-Rei D. João IV, quando se travava a guerra pela nossa independência, por esse monarca restaurada. Desde então, segundo rezam as crónicas, os reis de Portugal nunca mais usaram a coroa real, por entenderem que a mesma pertencia a Nossa Senhora.

Apesar de ser relativamente frequente a representação de Nossa Senhora com a coroa real, poucas são as imagens marianas que foram coroadas. Com efeito, a coroação é um privilégio que só o Papa pode conceder, em princípio apenas às imagens marianas cuja relevância justifique essa honrosa distinção. Assim se entende que, apesar de  um tão enraizado culto mariano nesta Terra de Santa Maria – tantas imagens de Nossa Senhora, bem como santuários, igrejas, capelas e ermidas dedicadas a esta devoção! – só existiam, até finais do ano passado, duas imagens de Maria que tivessem recebido essa honra: a de Nossa Senhora do Sameiro, na arquidiocese de Braga, coroada a 12 de Junho de 1904, pelo então Núncio Apostólico, D. José Macchi, delegado especial do Papa São Pio X; e a de Nossa Senhora de Fátima, coroada a 13 de Maio de 1946, pelo Cardeal Masella, na sua qualidade de Legado pontifício de Pio XII.

Desde o passado mês de Dezembro, a estas duas advocações marianas se junta a veneranda imagem de Nossa Senhora da Soledade, de Mafra, cuja Irmandade do Santíssimo Sacramento assim o fez saber, em comunicado do passado dia 13 de Dezembro. Nesta declaração, não apenas se menciona a graça concedida pelo Papa Francisco à veneranda imagem de Nossa Senhora da Soledade e, por extensão, a Mafra e a todo o país, mas também se comunica que “a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos fez chegar ao Eminentíssimo Cardeal-Patriarca de Lisboa, Irmão de Honra desta Irmandade, o decreto papal pelo qual se confirma esta extraordinária concessão a Portugal e, em particular, à população de Mafra”. Por isso, desde agora, são três as coroas de Nossa Senhora: às do Sameiro e de Fátima, une-se a concedida à imagem de Nossa Senhora da Soledade, da Real Basílica de Mafra.         

A imagem, agora coroada, representa Nossa Senhora no auto da paixão e morte de Cristo na Cruz. Do ponto de vista escultórico, é uma imagem de roca ou de vestir, ou seja, em que apenas a cabeça e extremidades dos membros são esculpidas. Para além da beleza do rosto mariano, bem como a expressividade das suas mãos, são dignos de nota as vestes e mantos com que é adornada pelos fiéis. Curiosamente, as Constituições sinodais portuguesas, em sintonia com a legislação derivada do Concílio de Trento, proibiam o excessivo luxo dos trajes, ou outros adereços, com que fosse vestida e ornamentada esta imagem mariana, talvez para evitar que essa opulência pudesse insultar a pobreza dos fiéis, ou pudesse atrair preferencialmente a atenção dos fiéis, distraindo-os da ‘soledade’ de Maria, que a imagem procura reproduzir. Mesmo sendo razoável que o culto seja, tanto quanto possível, esplêndido, é importante que seja observada a proporção dos meios em relação ao fim: as imagens de culto não devem ser apreciadas principalmente por si mesmas, mas na medida em que favorecem a verdadeira devoção, que não se limita à mera contemplação, mas deve manifestar-se em obras de serviço a Deus e aos outros.

O Papa Francisco acaba de conceder uma grande honra a Portugal. O Patriarcado de Lisboa, Mafra e o seu Pároco, Padre Luís de Barros, bem como a respectiva Real e Venerável Irmandade do Santíssimo Sacramento, estão de parabéns. A este propósito, o Patriarca de Lisboa escreveu: “Assim se ligam ainda mais dois motivos tão essenciais na sua basílica: a devoção mariana e a fidelidade ao Sucessor de Pedro”.