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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Apóstolas de apóstolos
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O dignidade e missão das mulheres cristãs é um tema recorrente da agenda eclesial: não estranha, portanto, que a Santa Sé tenha agora nomeado uma nova comissão ad hoc, que investigue, em termos históricos e teológicos, a relação entre o serviço eclesial prestado pelas mulheres e a diaconia sacramental. Também a Conferência Episcopal Portuguesa, que reuniu em Fátima esta semana, se propôs reflectir sobre “o diaconado permanente e a maior presença das mulheres nas funções da Igreja católica” (Público, 13-4-2021).

Não é preciso ser teólogo para afirmar a importância das mulheres na missão da Igreja, desde os seus primórdios. Nos relatos evangélicos da paixão de Cristo, destaca-se a impressionante fidelidade das mulheres cristãs, não obstante a sua exclusão da última Ceia, onde não estiveram presentes ou, pelo menos, não receberam de Jesus o poder de celebrar a Eucaristia. Até a mulher de Pôncio Pilatos, decerto pagã, intercedeu por Jesus de Nazaré, junto do seu marido que, contudo, O condenou à morte. A fidelidade das santas mulheres durante a paixão do Mestre contrasta com a generalizada traição dos apóstolos: Judas foi o traidor, Pedro negou por três vezes a Cristo e, ao pé da Cruz, João é o único presente.

Também os episódios que referem a gloriosa ressurreição de Jesus Cristo têm, por regra, as mulheres como protagonistas. Para além de Maria, a mãe de Jesus, a quem seu Filho teria concedido a graça da sua primeira aparição depois de ressuscitado, segundo uma revelação particular, os Evangelhos são particularmente insistentes no que respeita ao papel das mulheres: é a elas que Cristo primeiro aparece; Maria Madalena, por ter sido quem anunciou aos apóstolos a vitória de Cristo sobre a morte, foi denominada ‘apóstola dos apóstolos’; até os discípulos de Emaús atribuem às mulheres cristãs o rumor de que o divino ressuscitado estava vivo e lhes tinha aparecido.

Deus, ao criar o ser humano, o fez em duas modalidades: homem e mulher os criou. Iguais em natureza e dignidade, o individuo humano, feminino ou masculino, tende a completar-se com uma pessoa do outro sexo, porque só a união conjugal é fecunda. Contradizem a Escritura não apenas aqueles que negam a igual dignidade e natureza de homens e mulheres, mas também aqueles que não entendem a complementaridade do feminino e do masculino na família e na Igreja.

Não se pode negar a igual dignidade de todos os fiéis cristãos, qualquer que seja o seu sexo, porque todos são igualmente filhos de Deus e estão chamados à mesma santidade, que só numa mulher, a santíssima Virgem Maria, é referida no superlativo. Mas também não se pode esquecer que essa necessária complementaridade do masculino e do feminino é querida por Deus na família e na Igreja. Da mesma forma como o homem não está chamado a ser mãe, a mulher também não está chamada a ser pai: o pai não é uma outra mãe, nem a mãe é outro pai. Os filhos precisam de uma mãe e de um pai para a sua concepção, mas também para o seu crescimento em estatura, sabedoria e graça diante de Deus e dos homens.

O mesmo se diga, também, da complementaridade do masculino e do feminino na Igreja: a mulher cristã não está chamada a ser como o homem cristão, ou à sua imagem e semelhança. Na santidade, todos devem certamente convergir, como coincidem na vocação baptismal à santidade e ao apostolado, mas cada qual segundo o seu próprio modo de ser, feminino ou masculino.

Não consta que ninguém tenha ainda reivindicado o ‘direito’ dos homens cristãos a serem ‘religiosas’, ‘irmãs’ e ‘madres’, mas não faltam os que, à conta do que dizem ser um preconceito da Igreja, reivindicam o ‘direito’ das mulheres cristãs ao sacramento da Ordem, ou seja, a serem ‘padres’. Uma tal pretensão não decorre do reconhecimento da igual dignidade de ambos os sexos, mas de um machismo encapotado, que pretende reduzir os dois sexos ao estereotipo masculino, exigindo às mulheres a substituição do seu modo de ser feminino pela modalidade masculina inerente ao sacerdócio ministerial, indispensável para que sejam, não obstante a contradição do termo, ‘padres’.

Para combater este clericalismo machista, fazem falta, na Igreja universal e na Igreja portuguesa, mulheres cristãs que sejam feministas e lutem pela sua igual dignidade, no respeito pela sua própria especificidade natural e eclesial. Mulheres cristãs que repudiem as tentativas clericais e machistas de as converter em ‘padres de segunda’ e se afirmem, sem complexos, não apenas como apóstolas – como o são tão frequentemente nas famílias, catequeses, escolas, etc. – mas, como Santa Maria Madalena, apóstolas de apóstolos.