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Pedro Vaz Patto
A Igreja pode desaparecer?

L´Église peut-elle disparaitre? – é o título de um livro recentemente publicado pelo historiador e diácono Didier Rance (Mame, Paris, 2021). A pergunta não é apenas retórica. Parte da verificação de um dado incontornável, que é o da multiplicação de livros que, nas últimas décadas, sobretudo na Europa, falam de declínio, fim, morte, desaparecimento, ou crepúsculo do cristianismo e da Igreja Católica na contemporaneidade. O livro surge como resposta a essa ideia recorrente e como «Pequena história da Igreja à luz da Ressurreição» (é este o seu subtítulo).

Na verdade, muitos outros foram os momentos da História em que esses mesmos receios de fim próximo da Igreja poderiam dominar, ou dominaram mesmo, as mentes dos seus fiéis. Por motivos muito diferentes. Alguns derivados de implacáveis perseguições, vindas de poderes fortes que, de modo mais ou menos disfarçado (através de prisões e mortes, mas também de várias formas de instrumentalização) tinham mesmo esse objetivo. Outros derivados dos pecados, fraquezas, divisões, cismas e heresias dos seus próprios membros. Mas – é o que procura demonstrar este livro- a história da Igreja é um constante suceder de morte e Ressurreição, de mártires que são «semente de cristãos», de épocas de trevas a que se sucedem épocas de luz (estas sempre marcadas por múltiplos exemplos de santidade). Jesus questionou: «Quando o Filho do Homem vier, encontrará fé sobre esta terra?». Mas também prometeu que «as forças do Mal não prevalecerão» sobre a Igreja.

A história da Igreja começa, precisamente, pela morte e Ressurreição do seu Fundador e é a essa luz que se descrevem distintos capítulos dessa história. Depois da morte de Jesus, também parecia que a Igreja ia acabar.

O primeiro desses capítulos é o da grande perseguição dos cristãos do século IV, de martírios em larga escala a que se seguiram conversões em larga escala que originaram grandes transformações na mentalidade que predominava no Império Romano. Depois, fala-se da heresia do arianismo, que negava a divindade de Jesus e minou a unidade da Igreja até às suas mais altas esferas. Situa-se a vida de São Francisco de Assis, e a ação do movimento a que deu origem, como resposta ao estado da Igreja do século XII, bem distante da pureza evangélica, uma resposta diferente da que então também foi dada por movimentos heréticos. Descreve-se a expansão do Islão, que quase atingiu Roma, coração da Cristandade. Recorda-se a crise que deu origem à Reforma protestante. Evoca-se a perseguição feroz que vitimou a Igreja numa fase da Revolução Francesa. Alude-se às correntes intelectuais da “morte de Deus” nos séculos XIX e XX, a que também se seguiu a conversão de muitos pensadores. Narra-se a perseguição à Igreja, em prol de uma forma de neopaganismo, na Alemanha nacional-socialista. E a perseguição movida pelo comunismo ateu, que chegou a dominar mais de um teço da população mundial, e a que a Igreja sobreviveu (nalguns casos com redobrado vigor) de forma humanamente difícil de explicar

No livro não se aborda a tragédia, mais recentemente conhecida, da prática de abusos sexuais de crianças e adolescentes por membros do clero em vários países. Uma tragédia que tem contribuído para um ainda maior declínio da prática religiosa nesses países. No entanto, o autor falou dessa tragédia numa entrevista sobre o livro.

Vem a propósito dessa tragédia relembrar esta «história da Igreja à luz da Ressurreição». Estamos perante um inegável período de morte, tão difícil de compreender humanamente como a sensação de abandono do Pai que Jesus experimentou na sua agonia. Mas a fé diz-nos que, como noutros períodos descritos neste livro, a este se há de seguir um de Ressurreição.