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Irmã Glória recorda, à Fundação AIS, o cativeiro às mãos de terroristas
Pedacinhos de Céu
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Mal foi possível, após ter sido libertada em Outubro, ao fim de quatro anos de cativeiro no acampamento de um grupo jihadista no Mali, a Ir. Glória Narvaéz Argoty regressou à sua Colômbia natal. Mal foi possível também, contou a sua história à Fundação AIS, o sofrimento por que passou, as orações que rezou. E confessou que espera com ansiedade pelo dia de regresso à missão, para ajudar a construir “pedacinhos de Céu” junto dos mais pobres, dos mais necessitados…

 

A Ir. Glória nunca poderia imaginar tudo o que lhe iria acontecer naquele dia 7 de Fevereiro de 2017, quando um grupo de homens armados invadiu a casa das Franciscanas de Maria Imaculada em Karangasso, no sul do Mali, onde vivia, e a levou como refém. Foi o início de um tempo de sofrimento, de angústia, mas também de reflexão. Durante uns intermináveis quatro anos e oito meses, Glória viveu cada dia, cada hora como se pudessem ser os últimos, desconhecendo os planos que os terroristas tinham para si. Agora, depois de ter sido libertada, a 9 de Outubro do ano passado, a religiosa decidiu contar tudo à Fundação AIS. E revela que nunca se deixou dominar pelo ódio nem pelo sentimento de vingança. Pelo contrário. “Foi uma oportunidade que Deus me deu para ver a minha vida, a minha resposta a Ele... uma espécie de êxodo.”

 

Orações no deserto

Durante o cativeiro, Glória Narvaéz Argoty lembrou-se muito de São Francisco, do seu exemplo, das suas orações de paz, da alegria da sua vida. Durante todo o tempo de cativeiro, mesmo quando foi maltratada, agredida, a Ir. Glória encontrou aí, nesses pensamentos, o seu refúgio. Praticamente sozinha no deserto, no meio de um acampamento jihadista, a Ir. Glória descobriu uma serenidade que talvez não imaginasse ser possível. Cada novo dia foi uma oportunidade para agradecer a Deus. “Como posso não Te louvar, abençoar e agradecer, meu Deus, porque me encheste de paz perante insultos e maus-tratos?” Não foi só São Francisco a acompanhá-la ao longo dos quatro longos anos em cativeiro. Muitas vezes lembrou-se também das sábias palavras de sua mãe, Rosa Argoty, que haveria de falecer sem ver a filha em liberdade: “Esteja sempre serena, Glória, esteja sempre serena…”

 

Tempos de provação

Foi aí, nessas palavras, que a Ir. Glória conseguiu alguma serenidade, alguma força, em especial nos momentos mais duros, em que chegou a ser agredida pelos jihadistas. Uma vez, um dos líderes terroristas aborreceu-se por vê-la um pouco afastada do acampamento a rezar em voz alta. Provavelmente estaria a recitar um Salmo ou a entoar alguma das orações de São Francisco. O terrorista não gostou e fê-la regressar violentamente, agredindo-a e insultando Deus: “Vamos ver se esse Deus te tira daqui…” Quando recorda esse episódio, a Ir. Glória quase fica em lágrimas. “Ele falou comigo usando palavras muito duras, muito feias... A minha alma estremeceu com o que estava a dizer, enquanto os outros guardas [terroristas] se riam às gargalhadas dos insultos. Aproximei-me dele e disse-lhe com toda a seriedade: ‘Mostra mais respeito para com o nosso Deus. Ele é o Criador… e magoa-me muito que fales Dele dessa maneira.’” Então, os raptores entreolharam-se, como que tocados pela força desta simples, mas vigorosa afirmação, e um deles disse: “Ela tem razão. Não fales assim do Deus dela. E calaram-se…”.

 

Trabalho missionário

Como missionária, a Ir. Glória viveu sempre num ambiente de tolerância e de respeito para com os outros, independentemente da religião que professassem. O próprio trabalho da congregação no Mali ajudou a criar esse ambiente de simpatia e permitiu que as religiosas gozassem de grande prestígio entre a população local, especialmente junto das mulheres. “As Irmãs Franciscanas de Maria Imaculada estão no Mali há mais de 25 anos. Uma das nossas principais preocupações é a capacitação das mulheres, com especial ênfase na alfabetização, porque nesse país, para elas, a educação é praticamente inexistente”, explica a religiosa. Além do ensino, por exemplo, de técnicas básicas para o cultivo dos campos ou de aulas de costura, as irmãs procuravam educar também as mulheres sobre os procedimentos a ter em caso de gravidez. De tal forma tudo isto teve impacto na comunidade local que os próprios homens vieram pedir ajuda às irmãs… “Pediram-nos ajuda para que pudéssemos ensiná-los a fazer as tarefas domésticas e a cuidar dos filhos mais novos, no caso de as mulheres morrerem.”

 

Liberdade religiosa

A relação com a comunidade local era excelente e nada fazia prever que a missão das franciscanas iria ser atacada por extremistas muçulmanos. “Não havia portões fechados, nem paredes. As famílias acolhiam-nos em suas casas e partilhavam a sua comida connosco. Sempre houve simpatia.” A experiência vivida no Mali ajuda a perceber que a liberdade religiosa é de facto um bem maior que tem de ser preservado. “Se respeitarmos a liberdade de os outros viverem a sua religião, então podemos receber esse mesmo respeito”, diz ainda durante a longa conversa com o jornalista Hernán Cadena. Durante o tempo de cativeiro, a fé e a coragem da Ir. Glória foram postas à prova. “Pediram-me para repetir partes das orações muçulmanas, para usar roupas de estilo islâmico, mas eu sempre fiz saber que nascera na fé católica, que cresci nessa religião, e que por nada no mundo mudaria, mesmo que isso custasse a minha vida…” Desde Novembro que a Ir. Glória Narvaéz Argoty está na Colômbia a descansar. No entanto, diz que não vê chegada a hora de voltar a fazer as malas para a viagem de regresso à missão, “seja em África ou onde Deus quiser…” O lugar pouco conta pois, como ela fez questão de dizer à Fundação AIS, o que importa é ajudar as populações que mais sofrem procurando “transformar as suas comunidades num pedacinho de Céu”.

texto por Paulo Aido, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
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