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Guilherme d'Oliveira Martins
Trabalho para a dignidade humana

Em tempo de Sínodo, a reflexão é fundamental. A Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial da Paz de 2022 é expressão de um momento muito forte que atravessamos, numa transição de incerteza e perplexidade, quando sofremos ainda o efeito da crise pandémica de 2020. Guerras e conflitos, pandemias, doenças, alterações climáticas, degradação ambiental, fome e sede, consumismo, individualismo, em lugar de partilha solidária – eis o conjunto de preocupações que dominam este início de 2022. Nestes termos, o Papa propõe-nos três caminhos para uma Paz duradoura. Não se trata de apresentar soluções fechadas ou ilusórias, mas de propor caminhos, mobilizando vontades e considerando a prevenção de riscos, não caindo na ilusão de que tudo se vai resolver por encanto. As dificuldades não se resolverão senão com muito trabalho e empenhamento. Os três caminhos propostos são: o Diálogo entre gerações; a Educação como fator de liberdade, responsabilidade e desenvolvimento; e o Trabalho para a dignidade humana. Eis as pistas que importa considerar. Só através desse método será possível equacionar a criação de um Pacto Social adequado às novas circunstâncias. Enquanto tal não for posto em prática, arriscamo-nos a persistir numa lógica de curto prazo, repetindo os erros de que temos sido vítimas – cegos perante as reais ameaças, surdos relativamente aos apelos dramáticos e mudos quanto à ação indispensável de denuncia das injustiças e desigualdades.

 

Importa recuperar a confiança recíproca. Sem confiança nas pessoas e nas instituições continuaremos a destruição da humanidade e do planeta. O medo dos outros, a consideração que são sempre os outros os responsáveis pelos erros, a indiferença relativamente à solidão dos idosos, dos jovens ou das pessoas comuns não pode continuar. A atenção, o cuidado e a solidariedade são mais necessários que nunca. A educação e a instrução devem ser consideradas motores da paz. A educação para todos, proposta pela UNESCO e os objetivos do desenvolvimento sustentável obrigam a um decisivo investimento nas pessoas e na aprendizagem – com especial atenção às mulheres, como semeadoras de dignidade e de sentido comunitário. A mulher fala com o seu filho ainda quando está no seu seio, e é tão importante na leitura de uma bula médica, num programa de saúde pública, ao ler um poema ou a contar uma história, e o certo é que o filho ou a filha de uma mulher alfabetizada não será analfabeto ou analfabeta… O Papa insiste, assim, no investimento na Educação versus despesas em armamento ou tráfico de despesas criminosas nos paraísos fiscais – antros de injustiça, de desprezo e de desrespeito da dignidade das pessoas.

 

Uma cultura do cuidado tem de ser não só valorizada, mas também praticada. Nesse sentido, importa salientar a importância de “um pacto educativo para e com as gerações jovens, que empenhe as famílias, as comunidades, as escolas, as universidades, as instituições, as religiões, os governantes, a humanidade inteira na formação de pessoas maduras”. Quando lemos os Evangelhos ou os Atos dos Apóstolos sentimos esse apelo constante, em nome da liberdade e da responsabilidade, da igualdade e da diferença. Afinal, a cultura da paz, do amor e do respeito mútuo obriga-nos a compreender o que nos diz Isaías: “Que famosos são sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia a paz” (Is., 52.7). Se a experiência e o exemplo constituem elementos essenciais da maturidade, devemos valorizar a dignidade do trabalho – já que “promover e assegurar o trabalho constrói a paz”. Releia-se a encíclica “Laborem Exercens” de S. João Paulo II e compreenda-se como deveremos redobrar atenções relativamente à estabilidade, ao respeito dos direitos fundamentais, a combater a precariedade e a tentação de pôr em primeiro lugar o ganho imediato em vez do respeito e salvaguarda da dignidade dos trabalhadores. Lembremo-nos da lição do Padre Abel Varzim sobre o respeito dos trabalhadores. A Covid-19 agravou a situação do mundo do trabalho. Não podemos esquecê-lo. Muitas empresas ficaram mais frágeis, outras insustentáveis, a precariedade do trabalho agravou-se, as famílias viram afetada a sua estabilidade. Houve também retrocesso na aprendizagem, que importa recuperar. Muitos trabalhadores migrantes viram os seus direitos afetados. A liberdade de iniciativa viu o seu espaço de manobra posto em causa. Os direitos sociais, políticos, económicos e culturais devem ser realmente cumpridos e respeitados. A justiça como equidade, considerando a realidade complexa que vivemos, tem de estar na ordem do dia, ligando Estado e sociedade. Importa definir missões mobilizadoras, em nome da dignidade e do desenvolvimento humano. A superação da pandemia obriga à entreajuda, à solidariedade e à partilha de responsabilidades entre gerações diferentes. Um pacto social mobilizador e justo é urgente.


foto por Andres Ayrton no Pexels