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António Bagão Félix
Eleições só para o dia seguinte?

A política tem de ser, em primeiro lugar, um factor de esperança. Aproximando as pessoas, estabelecendo desígnios mobilizadores, reforçando a coesão solidária entre as gerações, elegendo o primado da dignidade da pessoa e da promoção dos que não têm voz. Como tal, a política deve exprimir-se através da verdade, do serviço, de autenticidade e de sensibilidade. Verdade nas análises e factos, serviço na atitude, autenticidade na acção, sensibilidade na relação.

 

Infelizmente, nos programas, nos debates e nesta campanha eleitoral, pouco ficou esclarecido. Predominaram as questiúnculas mais ou menos especulativas, deu-se primazia a insignificantes epifenómenos meramente circunstanciais, enfatizaram-se soundbites e frases feitas para alimentar audiências, empolou-se o comentarismo falsamente independente. Pouco se apresentou para além do “dia seguinte”, ignorando-se as questões mais estruturais e geracionais.

 

A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) exortou os partidos políticos a “apresentarem com clareza as suas propostas […], sobretudo no que diz respeito à vida humana e sua salvaguarda integral, às situações de pobreza e coesão económica, às questões da justiça, à desertificação do interior […].

 

Também o Movimento Acção Ética (MAE) interpelou os partidos sobre um conjunto de assuntos, para os quais as questões éticas são determinantes. Recordou que o Parlamento tem vindo a legislar sobre temas de assinalável componente ética, sem que os mesmos tenham sido propostos nos programas eleitorais dos partidos proponentes. Foi, por exemplo, o que aconteceu com o debate sobre a eutanásia na última legislatura.

 

No texto do MAE, enumeraram-se alguns pontos que deveriam ter sido mais escrutinados, mas que, regra geral, os partidos omitiram, ladearam ou se limitaram a “mais do mesmo”.

 

Que tipo de cuidados deve o Estado prestar às pessoas em fim de vida?

Quais as medidas para aumentar a natalidade e compensar o envelhecimento demográfico?

Que medidas devem ser desenvolvidas para proteger a família, na transmissão da vida, na educação do carácter, na prevenção de factores de debilitação ou desagregação familiares?

Que pensam os partidos políticos sobre o alargamento de objecção de consciência a novas situações ou a tentativa da sua limitação e restrição para os casos já existentes, designadamente no que se refere aos profissionais de saúde?

Como conciliar a educação pública e a liberdade de educar pelos pais? Quais as bases de uma reforma educativa para os jovens? Como impedir que o sistema educativo público seja instrumentalizado politicamente, para promover determinadas ideologias?

O que se propõe em termos de viabilização geracional dos sistemas de pensões e da valorização da poupança, de modo a que o futuro não venha a constituir um ónus insustentável para as gerações vindouras?

 

Como prevenir e combater o fenómeno alastrante e insidioso da corrupção que vem minando a confiança nas regras sociais, económicas e éticas de uma vida sã em sociedade?

Como assumir o princípio da subsidiariedade (“nada sobre nós sem nós”) na relação entre o Estado e a Sociedade, em especial no âmbito da saúde, dos apoios sociais e da educação?

Como erradicar a existência de situações ilegítimas de sobreposição de interesses pessoais e de grupo ao interesse geral e ao bem comum?

Que contributos oferecem para uma ordenação da economia social de mercado, que seja capaz de assegurar um equilíbrio justo entre a busca do progresso material e económico, a protecção do meio ambiente, a salvaguarda do estímulo e da iniciativa, a garantia do sustento e dignidade das famílias e pessoas mais vulneráveis?

Que soluções devem ser adoptadas para melhorar a justiça, humanizar os estabelecimentos prisionais e apoiar as vítimas de crimes?

Sobre tudo isto que o MAE questionou, muito pouco se ofereceu aos eleitores para ajudar a determinar um voto mais consciente e livre. Também os media não ajudaram, quase sempre preferindo o “folclore” da aparência à intermediação da essência. Assim vai a “nossa política”… 

(por opção pessoal, o texto não segue o AO90)


foto por Arlindo Homem