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P. Manuel Barbosa, scj
Escutar com coração

1. «Escutar com o ouvido do coração». É o título da mensagem do Papa Francisco, divulgada esta semana, para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, a celebrar na Solenidade da Ascensão. Uma mensagem centrada no «escutar», no seguimento das anteriores sobre «ir» e «ver».

Como recorda o Papa, a escuta tem a ver com a fé e corresponde ao estilo humilde de Deus. Fechar os ouvir ou permanecer na surdez interior contraria a atitude de escutar o desejo de estar em relação com Deus e com os outros. Uma escuta que é diálogo autêntico.

A escuta é fundamental para bem comunicar. Quando «falamos pelos cotovelos» ou espionamos, quando fazemos meros monólogos ou duólogos e valorizamos a audiência em vez de dialogar e escutar a verdade e o bem, estamos longe de uma autêntica comunicação e perdemos a capacidade de escutar a sociedade, nomeadamente em duas situações concretas apontadas na mensagem: a situação da pandemia e as migrações. Escutamos verdadeiramente os outros, nos seus anseios e dificuldades, ou ficamo-nos apenas pelo que melhor nos soa aos ouvidos sem atingir o ouvido do coração, que em si mesmo é sempre terno e atento, compassivo e misericordioso?

O último ponto da proposta do Santo Padre fala da escuta na Igreja, da necessidade de escutar e de nos escutarmos, de escutar o próprio Deus. «Quem não sabe escutar o irmão, bem depressa deixará de ser capaz de escutar o próprio Deus». E vem a propósito a provocação de São Tiago: «Cada um seja pronto para escutar, lento para falar» (1,19).

A mensagem não poderia terminar sem referir o processo sinodal que corre sob o dinamismo da escuta do Espírito e da escuta recíproca dos irmãos próximos e afastados. Uma escuta que, sendo do ouvido do coração, é já discernimento e decisão. A meio da fase diocesana deste processo, a dinâmica da escuta é mesmo o cerne deste caminhar juntos? Estamos cansados de tanto escutar? Perdemos a sintonia do caminho em Igreja sinodal? Se assim for, há que renovar o entusiasmo, que só pode ser em Deus, que a todos fala e nos convida à escuta em oração.

 

2. Hoje é dia de eleições, que decidem quem vai governar o nosso país nos próximos tempos. Pergunto-me se os tempos de campanha eleitoral foram de escuta. Cada partido elaborou as suas propostas ditas programáticas e repetiu-as até à exaustão, num exercício de forte alarido e ruído. Será que os políticos estiveram dispostos a escutar os cidadãos e a escutarem-se entre si?

A Conferência Episcopal pediu aos «partidos políticos para apresentarem com clareza as suas propostas quanto aos grandes problemas da sociedade, sobretudo no que diz respeito à vida humana e sua salvaguarda integral, às situações de pobreza e coesão económica, às questões da justiça, à desertificação do interior do país, à situação dos imigrantes e aos problemas ambientais». Foi escutada? Essas problemáticas foram abordadas? Talvez sim, em parte, mas houve escuta, diálogo e acolhimento crítico dos outros? A questão é mais global na nossa sociedade: vivemos como cidadãos que falam e se escutam com respeito e dignidade, mesmo nas diferenças?

Regresso à mensagem do Papa, nas suas expressões iniciais: «Estamos a perder a capacidade de ouvir a pessoa que temos à nossa frente, tanto na teia normal das relações quotidianas como nos debates sobre os assuntos mais importantes da convivência civil. Ao mesmo tempo, a escuta está a experimentar um novo e importante desenvolvimento no campo comunicativo e informativo, através das várias ofertas de podcast e chat audio, confirmando que a escuta continua essencial para a comunicação humana».

O desejo de sermos escutados a todos nos envolve e provoca. Oxalá que seja uma escuta com o ouvido do coração, onde fala o coração de Deus e dos irmãos.