Lisboa |
Famílias ucranianas voltam a reunir-se em Lisboa e têm um desejo
“Que os russos façam a revolução dos corações”
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Ivanna Stasiv é uma ucraniana a viver em Portugal há mais de 20 anos que, a 7 de março, recebeu na sua casa em Queluz a família que estava na Ucrânia. “Num dia mais triste, tiveram a decisão de sair da Ucrânia, só para os filhos não ouvirem o som horrível dos bombardeamentos”, conta Ivanna. Após a consagração da Rússia a Maria, esta ucraniana diz ter “esperança” no fim da guerra.

 

“Na Ucrânia estava a minha tia, de 63 anos e irmã da minha mãe, uma filha dela, minha prima, que tem 40 anos, e as duas filhas: uma com 21 anos, e que tem uma bebé de quatro meses, e a outra filha de 14 anos. Vieram para Portugal todas juntas!”. É assim que Ivanna Stasiv apresenta, ao Jornal VOZ DA VERDADE, os familiares que deixaram a Ucrânia devido à guerra e chegaram ao nosso país a 7 de março. “Elas já conheciam Portugal”, salienta, não esquecendo “outra prima” que também já está em segurança. “Foi para a Polónia com os dois filhos, para viver com a sogra, porque não a quis deixar sozinha, e estão a viver em Cracóvia”, revela, aliviada.

Não têm sido tempos fáceis para a comunidade ucraniana. “Um inferno”, diz Ivanna, ao descrever o mês de guerra no seu país. “Mas agora já estamos mais calmos. Como dizer… ‘habituámo-nos’ a isto e já temos a família connosco”, acrescenta. Quando estavam na Ucrânia, os familiares de Ivanna “não sabiam o que fazer”. “Havia muito stress. Ao início, em Lviv, não se passava assim nada de grave, mas sempre estavam com muito medo do que pudesse acontecer. Não sabiam o que fazer. Eles tinham para onde vir, porque nós estamos todos aqui e logo dissemos que os recebíamos, mas eles não queriam deixar os maridos. Num dia mais triste, tiveram a decisão de sair da Ucrânia, só para os filhos não ouvirem o som horrível dos bombardeamentos. Queriam proteger as crianças, pelo menos para elas não saberem o que é isto, porque há muitas crianças lá que, para a vida toda, vão ficar marcadas”, lamenta, procurando segurar as lágrimas.

Os familiares de Ivanna conseguiram sair da Ucrânia na fronteira com a Hungria, “onde as filas não são tão grandes”. “Estiveram lá alguns dias, e conseguimos um voo da Wizz Air [uma companhia aérea húngara], que eles fizeram de graça para Bruxelas, e depois comprámos passagens para Lisboa”, conta. “O mais difícil foi a despedida, o não saber se vão voltar a ver os homens da família, que ficaram para lutar”, partilha. Apesar de se sentirem bem em Portugal, os seus familiares “querem muito voltar à Ucrânia”, assume.

 

“Isto é um genocídio”

Sobre a guerra, Ivanna refere que o povo ucraniano “não esperava” que “acontecesse tanto”. “Sabíamos que ia acontecer qualquer coisa, porque Putin sempre odiou, nunca gostou de ucranianos, apesar de sempre dizer que ‘somos irmãos’ e ‘muito unidos’ e que ‘o povo é igual’. Nunca pensámos que ele fosse até este ponto, nunca… Eu, sinceramente, estava à espera que isto acabasse naqueles dois sítios [Crimeia e Donbass], onde eles começaram há oito anos, e ficasse por aí. Nunca pensámos que ele fosse até este ponto que está a chegar…”, lamenta.

Ivanna recorda também o sofrimento do povo ucraniano há 90 anos, durante o chamado ‘Holodomor’, ou Grande Fome, uma crise de fome que atingiu a Ucrânia durante o regime comunista soviético liderado por Estaline, em que morreram mais de quatro milhões de pessoas. “Eles querem-nos matar a todos. Os ‘irmãos’, como eles dizem, nunca foram ‘irmãos’, nem vizinhos, porque nem a um vizinho se faz isto. Matar… Matar na rua, matar crianças, matar pessoas. Isto é um genocídio, como foi em 1932-33. Está a matar toda a gente”, chora esta ucraniana.

 

Esperança no fim da guerra

A consagração da Rússia e da Ucrânia ao Imaculado Coração de Maria, a 25 de março, encheu a comunidade ucraniana “de esperança” pelo fim da guerra. “Os meus amigos foram todos a Fátima – eu não pude ir, porque estava com covid. A minha mãe e a minha tia estiveram na nossa igreja, onde à mesma hora estiveram a rezar e leram o texto do Papa. Vi em direto na televisão e foi muito bonito. Estamos cheios de esperança que isto muda, que isto acaba”, deseja.

Arriscamos a pergunta: ‘Putin tem perdão?’. “Não sei… Eu não acho que Putin seja uma pessoa normal. Acho que é um diabo vestido em homem. Um mentiroso. Na sexta-feira [no ato de consagração], rezámos e pedimos a Nossa Senhora para os outros russos se voltarem para a Igreja e para Jesus. Que eles pudessem todos pensar de outra maneira, mas a Rússia é um sítio onde o diabo tem a sua casa. Ele instalou-se lá”, considera Ivanna, recordando depois as aparições de Nossa Senhora em Fátima. “Nossa Senhora veio à terra dizer daquele país. Do mundo todo, Ela só falava desse país. Então, Ela sabe que isto é uma coisa que traz muito mal ao mundo. Isto não podia ser… Esperamos que os russos façam a revolução nos seus corações. Eles podem ser perdoados, eu acho, mas Putin não sei… Deus, se calhar, perdoa, mas não sei se o resto das pessoas vão conseguir”, frisa.

 

“Ucrânia está no centro”

Ivanna Stasiv, de 42 anos, é natural de Lviv mas está em Portugal desde 2001. “Primeiro veio a minha mãe, depois vim eu com o meu marido e a nossa filha Solomiya, que tinha três anos, e também a minha irmã. Queríamos vir aqui para ver como é Portugal, para conhecer Portugal, e ficámos. Estamos aqui até agora”, explica. Foram primeiro para Torres Vedras, “durante dois, três anos”, e depois vieram para Lisboa. “Viemos porque aqui há mais possibilidades, mas principalmente porque temos aqui a Igreja Greco-Católica Ucraniana, que começou nessa altura. E depois porque tínhamos a escola ucraniana para a minha filha mais velha, que hoje tem 23 anos”, conta, sublinhando que em Portugal nasceu já a segunda filha, Daniela, de 13 anos, que “tem dupla nacionalidade”. Ivanna passou praticamente metade da vida em Portugal. “Quase todos os anos volto sempre à Ucrânia, no mês de férias, para passar tempo com a nossa família. Tinha também a minha avó, que faleceu em outubro”, refere.

Ainda na Ucrânia, antes de vir viver para Portugal, Ivanna fez, juntamente com a irmã, o curso de regente do coro. “Fomos professoras de Música e cantávamos no coro. Quando chegámos a Portugal, em 2001, começámos a trabalhar como todos os ucranianos começaram, nas limpezas e nessas coisas. Atualmente, estou a cuidar de um bebé e trabalho num colégio”, salienta.

Ivanna Stasiv conta ainda que os ucranianos “estão felizes” pela união de praticamente “todo o mundo” em torno do seu país. “Há 20 anos, quando chegámos a Portugal, pouca gente sabia o que é a Ucrânia. Toda a gente pensava que éramos russos. Nós dizíamos que não, que não é a mesma coisa. Hoje em dia, cada criança já sabe qual é a bandeira da Ucrânia, onde fica esse país. Temos dado muitas entrevistas em Portugal, querem saber das nossas tradições, dos nossos vestidos tradicionais, da nossa cultura. A Ucrânia está no centro e muita gente quer saber mais”, observa esta ucraniana, a viver em Portugal desde 2001 e que recentemente recebeu em sua casa os familiares que fugiram da guerra.

 

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Mensagem aos portugueses

“Só queria dizer muito obrigada! Do fundo do coração, agradecer! Foi um gesto muito bonito, o acolhimento, mesmo o legalizar os refugiados que chegam e conseguem fazer logo os documentos, sem nenhum problema, e conseguem começar a trabalhar – muita gente dá trabalho, querem pessoas só refugiadas, mesmo que não saibam falar, nem cozinhar, mas querem receber na sua casa para dar o trabalho. Os portugueses estão a recolher muita gente e sempre estão a dizer que os ucranianos são aqui bem-vindos!”

Ivanna Stasiv

 

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Feliz em Portugal

Entre os refugiados ucranianos, familiares de Ivanna Stasiv, que chegaram a Portugal no passado dia 7 de março está a sua sobrinha e afilhada. “É a Anastasia Tyrkus”, diz-nos Ivanna. A jovem de 21 anos sorri e corrige a tia: “Desculpe, é Anastasia Matviiv. Ela agora tem outro apelido, por causa do marido. Foi há pouco tempo e eu ainda não estou habituada”, explica. As duas sorriem e abraçam-se. Anastasia trouxe consigo uma filha bebé, Diana, de quatro meses. Ivanna ajuda na tradução e Anastasia salienta, ao Jornal VOZ DA VERDADE, que “já não é a primeira vez que vem a Portugal”. “Já tinha vindo de férias e já da primeira vez gostei muito de Portugal. Gostei de regressar e fui muito bem-recebida pela família”, responde, em ucraniano. ‘Já sabe dizer palavras em Português?’, perguntamos. Após a tradução de Ivanna, a sobrinha responde de forma imediata: “‘Olá’, ‘obrigado’, ‘bom dia’, ‘boa tarde’, ‘boa noite’, ‘desculpe’… já falo Português!”. Anastasia Matviiv sorri. Olha para a tia e madrinha Ivanna, que a olha nos olhos e a abraça, orgulhosa. “Ela está a gostar muito de Portugal”, reforça Ivanna.

 

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Comunidade ucraniana “surpreendida” com a ajuda do povo português

Ivanna Stasiv é a maestrina do coro da Igreja Greco-Católica Ucraniana de Lisboa, onde canta juntamente com a mãe e a irmã. Desde que começou a guerra, a 24 de fevereiro, a Igreja de Nossa Senhora da Nazaré, perto da Praça do Chile, em Lisboa, tem recebido centenas e centenas de bens essenciais, que são enviados para a Ucrânia. “Nos primeiros dias, tivemos de fechar as Missas porque tanta gente estava a entregar as coisas. Abríamos às nove da manhã, até às dez da noite, para a recolha dos bens e tínhamos sempre ajuda. Depois, conseguimos outro sítio, que a Junta de Freguesia de Arroios nos cedeu e onde estamos até agora”, frisa Ivanna. Entre os bens doados, “veio de tudo”. “Roupa, comida, higiene, coisas para bebé. Trouxeram tanta roupa que já não conseguíamos lidar. Depois, pusemos na internet que não precisávamos mais de roupa, mas de comida e bens essenciais. Ainda estamos a recolher, porque está sempre a chegar gente e sempre que conseguimos um camião enviamos para a Ucrânia. Há cidades que estão com dificuldades e levamos daqui até lá, juntamente com medicamentos e coisas para hospitais, ligaduras, pensos higiénicos… tudo o que podemos encontrar aqui, fazemos camiões e mandamos”, acrescenta esta ucraniana, lembrando ainda “a ajuda da Cáritas de Lisboa”, em especial na “ajuda com os papéis para legalizar e entregar no SEF”, e do Colégio Valsassina, onde trabalha, que deu “muitas carrinhas de comida”. “Mesmo agora, que sabem que tenho uma bebé em casa, deram roupa, comida, fraldas e caminha de bebé”, revela.

A ajuda do povo português “surpreendeu” a comunidade ucraniana, refere Ivanna. “Estou a ler na internet que as pessoas que chegam são muito bem-recebidas. Na Ucrânia e na Polónia já estiveram a ouvir isso”, garante. “Todos ajudaram. Não sei de pessoa que não ajudou. Os meus amigos, os conhecidos, os patrões, as empresas, tudo, tudo, tudo ajudou”, acrescenta, entre lágrimas. Para os camiões, “até agora”, as empresas portuguesas “deram tudo de graça”. “Nós sozinhos não conseguíamos, porque são precisos 1500 a 2000 euros para um camião ir para lá e voltar. Pagaram a gasolina, o motorista… Foi tudo de graça”, revela, em tom agradecido, Ivanna Stasiv.

texto e fotos por Diogo Paiva Brandão
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