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Excertos da Mensagem do Papa Francisco para o 59.º Dia Mundial de Oração pelas Vocações
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Queridos irmãos e irmãs!

Nos dias que correm, enquanto continuam a soprar os ventos gélidos da guerra e da opressão e frequentemente testemunhamos fenómenos de polarização, prosseguimos como Igreja o processo sinodal iniciado: sentimos urgente necessidade de caminhar juntos cultivando as dimensões da escuta, participação e partilha. Nesta perspetiva, para o LIX Dia Mundial de Oração pelas Vocações, desejo refletir convosco sobre o amplo significado da «vocação», no contexto duma Igreja sinodal que se coloca à escuta de Deus e do mundo.

 

Todos chamados a ser protagonistas da missão

A sinodalidade, o caminhar juntos é uma vocação fundamental para a Igreja e, só neste horizonte, é possível descobrir e valorizar as diversas vocações, carismas e ministérios. Ao mesmo tempo, sabemos que a Igreja existe para evangelizar, saindo de si mesma e espalhando a semente do Evangelho na história. Ora esta missão é possível precisamente colocando em sinergia todas as áreas pastorais e, antes ainda, envolvendo todos os discípulos do Senhor. Cada um dos batizados, independentemente da própria função na Igreja e do grau de instrução da sua fé, é um sujeito ativo de evangelização. É preciso acautelar-se da mentalidade que separa sacerdotes e leigos, considerando protagonistas os primeiros e executores os segundos, e levar por diante a missão cristã, conjuntamente, leigos e pastores como único Povo de Deus.

 

Chamados a ser guardiões uns dos outros e da criação

A palavra «vocação» não deve ser entendida em sentido restrito, referindo-a apenas àqueles que seguem o Senhor pelo caminho duma consagração específica. Todos somos chamados a participar na missão de Cristo de reunir a humanidade dispersa e reconciliá-la com Deus. De modo mais geral, cada pessoa humana, antes ainda de viver o encontro com Cristo e abraçar a fé cristã, recebe com o dom da vida um chamamento fundamental: cada um de nós é uma criatura querida e amada por Deus, objeto dum pensamento único e especial d’Ele e somos chamados a desenvolver, ao longo da nossa vida, esta centelha divina que mora no coração de cada homem e mulher, contribuindo para fazer crescer uma humanidade animada pelo amor e mútuo acolhimento. Em suma, tornamo-nos uma família na maravilhosa casa comum da criação, na variedade harmoniosa dos seus elementos. Neste sentido amplo, não só os indivíduos mas também os povos, as comunidades e as agregações dos mais variados géneros têm uma «vocação».

 

Chamados a acolher o olhar de Deus

Nesta grande vocação comum, insere-se a chamada mais particular que Deus nos dirige, alcançando a nossa existência com o seu Amor e orientando-a para a sua meta definitiva, para uma plenitude que ultrapassa até mesmo o limiar da morte. Assim quis Deus olhar, e olha, para a nossa vida.

As seguintes palavras são atribuídas a Miguel Ângelo Buonarroti: «No interior de cada bloco de pedra, há uma estátua, cabendo ao escultor a tarefa de a descobrir». Se tal pode ser o olhar do artista, com muito mais razão assim nos vê Deus: naquela jovem de Nazaré, viu a Mãe de Deus; no pescador Simão, filho de Jonas, viu Pedro, a rocha sobre a qual podia construir a sua Igreja; no publicano Levi, entreviu o apóstolo e o evangelista Mateus; em Saulo, cruel perseguidor dos cristãos, viu Paulo, o apóstolo dos gentios. O seu olhar de amor sempre nos alcança, toca, liberta e transforma, fazendo com que nos tornemos pessoas novas.

Esta é a dinâmica de cada vocação: somos alcançados pelo olhar de Deus, que nos chama. A vocação – como aliás a santidade – não é uma experiência extraordinária reservada a poucos. Tal como existem «os santos ao pé da porta», assim também a vocação é para todos, porque todos são olhados com amor e chamados por Deus.

Diz um provérbio do Extremo Oriente: «Um sábio, ao olhar o ovo, sabe ver a águia; ao olhar a semente, vislumbra uma grande árvore; ao olhar um pecador, sabe entrever um santo». É assim que Deus nos olha: em cada um de nós, vê potencialidades, às vezes ignoradas por nós mesmos, e atua incansavelmente, ao longo da nossa vida, a fim de as podermos colocar ao serviço do bem comum.

Assim a vocação nasce, graças à arte do Escultor divino que, com as suas «mãos», nos faz sair de nós mesmos, para que se delineie em nós a obra-prima que somos chamados a ser. Coloquemo-nos, pois, à escuta da Palavra, para nos abrirmos à vocação que Deus nos confia! E aprendamos a escutar também os irmãos e irmãs na fé, porque nos seus conselhos e exemplo pode esconder-se a iniciativa de Deus, que nos indica estradas sempre novas a percorrer.

 

Chamados a responder ao olhar de Deus

O olhar amoroso e criador de Deus alcançou-nos de forma singular em Jesus. Irmãos e irmãs, deixemo-nos tocar por este olhar e ser levados por Ele para além de nós mesmos! E aprendamos também a olhar de tal modo um para o outro que as pessoas com quem vivemos e as que encontramos – sejam elas quem forem – possam sentir-se acolhidas e descobrir que há Alguém que as olha com amor, convidando-as a desenvolverem todas as suas potencialidades.

A nossa vida muda quando acolhemos este olhar. Tudo se torna um diálogo vocacional entre nós e o Senhor, mas também entre nós e os outros. Um diálogo que, vivido em profundidade, nos faz tornar cada vez mais aquilo que somos: na vocação ao sacerdócio ordenado, ser instrumento da graça e da misericórdia de Cristo; na vocação à vida consagrada, ser louvor de Deus e profecia de nova humanidade; na vocação ao matrimónio, ser dom mútuo e geradores e educadores da vida; em cada vocação e ministério na Igreja, em geral, que nos chama a olhar os outros e o mundo com os olhos de Deus, servir o bem e difundir o amor com as obras e as palavras.

 

Convocados para construir um mundo fraterno

Como cristãos, não só somos chamados, isto é, interpelados cada qual pessoalmente por uma vocação, mas também con-vocados. Somos como os ladrilhos dum mosaico, belos já quando vistos um a um, mas só juntos é que formam uma imagem. Brilhamos, cada um e cada uma de nós, como uma estrela no coração de Deus e no firmamento do universo, mas somos chamados a compor constelações que orientem e iluminem o caminho da humanidade, a partir do ambiente onde vivemos. Tal é o mistério da Igreja: na convivência das diferenças, ela é sinal e instrumento daquilo a que toda a humanidade é chamada. Para isso, a Igreja deve tornar-se cada vez mais sinodal: capaz de caminhar unida na harmonia das diversidades, onde todos têm a sua própria contribuição para dar e podem participar ativamente.

Portanto, quando falamos de «vocação», não se trata apenas de escolher esta ou aquela forma de vida, votar a própria existência a um determinado ministério ou seguir o encanto do carisma duma família religiosa, dum movimento ou duma comunidade eclesial; mas trata-se sobretudo de realizar o sonho de Deus, o grande desígnio da fraternidade que Jesus tinha no coração quando pediu ao Pai «que todos sejam um só» (Jo 17, 21). Sacerdotes, consagradas e consagrados, fiéis leigos, caminhemos e trabalhemos juntos, para testemunhar que uma grande família humana unida no amor não é uma utopia, mas o projeto para o qual Deus nos criou!

Rezemos, irmãos e irmãs, para que o Povo de Deus, no meio das dramáticas vicissitudes da história, corresponda cada vez mais a esta vocação. Invoquemos a luz do Espírito Santo, para que cada um e cada uma de nós possa encontrar o respetivo lugar e dar o melhor de si neste grande desígnio!

 

Roma, São João de Latrão, no IV Domingo de Páscoa, 8 de maio de 2022.

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