Família |
Capítulo VIII da ‘Amoris Laetitia’
Acompanhar, Discernir e Integrar a Fragilidade
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O capítulo oitavo da ‘Amoris Laetitia’ foi o capítulo mais mediatizado desta exortação pós-sinodal do Papa Francisco. Alguns esperavam que trouxesse regras mais explícitas, outros acharam que foi longe demais, outros ainda, dizem que se colocou em causa a indissolubilidade matrimónio. No entanto, aquilo que aqui se afirma não vem mudar a doutrina, mas relembrar que a vida cristã é um caminho a percorrer. E para este caminho convida a Igreja acompanhar cada família, em especial as situações de fragilidade.

 

O modo de caminhar que aqui se propõe é aquele que Paulo afirma na carta aos Filipenses, quando fala do seu caminho em Cristo: “não que já o tenha alcançado ou já seja perfeito; mas corro, para ver se o alcanço, já que fui alcançado por Cristo Jesus” (Fil 3,12). Sem perder de vista a meta a que o Senhor chama a família, é necessária a arte a arte de acompanhar cada situação familiar, tendo em conta a realidade e o tempo presente, procurando discernir a vontade de Deus para a sua vida e integrar a fragilidade num caminho eclesial.

Na exortação apostólica ‘Evagelii Gaudium’, a carta programática do pontificado do Papa, Francisco lembra-nos alguns critérios para a edificação do Reino de Deus, que aqui se podem aplicar à realidade das famílias. São critérios que nos ajudam a perceber o fundamento, não só deste capítulo, mas de toda a ação evangelizadora. Gostaria de relembrar dois deles: o tempo é superior ao espaço e o real é superior à ideia.

Antes de falar de cada um deles, é necessário ter em conta uma dialética em que todos nós vivemos: a plenitude e o limite. Somos chamados à plenitude, à santidade, à vida no evangelho, contudo, tantas vezes, vemo-nos bloqueados pelos nossos limites e os limites dos outros. Estes limites são fruto das nossas fragilidades e pecados, consequência das nossas histórias feridas, de circunstâncias da vida, e também das más opções.

Neste primeiro critério – o tempo é superior ao espaço –, o Papa lembra-nos que olhar as coisas a partir do espaço, como se fossem lugares estáticos, faz-nos querer resultados imediatos: “posso comungar ou não”, “posso fazer isto ou fazer aquilo”. Esta atitude pode gerar mudanças exteriores, mas não gera uma evangelização profunda. Olhar os casos a partir do tempo, faz-nos viver uma saudável tensão, em que o tempo medeia o limite e a plenitude. Assim, como afirma o Papa, isto ajuda-nos a trabalhar a longo prazo sem a obsessão de resultados. Desafia-nos a fazer caminho com as pessoas, sem pressa, não impondo resultados, mas ajudando a dar passos e ir percorrendo o caminho de plenitude a que Deus as chama.

O segundo critério – o real é superior à ideia –, ajuda-nos a perceber que nesta tensão entre a plenitude e o limite, não podemos olhar apenas para a plenitude (o ideal), mas temos de entender e levar a sério o limite (o real), onde cada pessoa se encontra. Uma boa evangelização não é apenas informar sobre a doutrina e indicar se a pessoa está ou não dentro da regra. Esta atitude leva a que as pessoas se sintam esmagadas, rejeitadas e excluídas. Somos chamados a anunciar a beleza do evangelho da família e caminhar lado a lado, sendo sinal da misericórdia, apoiando e ajudando a levantar em cada queda, fortalecendo cada situação de fragilidade.

Para este caminho de acompanhamento, discernimento e integração das fragilidades na vida familiar, vale a pena relembrar o que o Papa afirma na ‘Evangelii Gaudium’ e que fundamente e sintetiza o que acima se disse: “sem diminuir o valor do ideal evangélico, é preciso acompanhar, com misericórdia e paciência, as possíveis etapas de crescimento das pessoas, que se vão construindo dia após dia. Aos sacerdotes, lembro que o confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas o lugar da misericórdia do Senhor que nos incentiva a praticar o bem possível. Um pequeno passo, no meio de grandes limitações humanas, pode ser mais agradável a Deus do que a vida externamente correta de quem transcorre os seus dias sem enfrentar sérias dificuldades. A todos deve chegar a consolação e o estímulo do amor salvífico de Deus, que opera misteriosamente em cada pessoa, para além dos seus defeitos e das suas quedas” (EG44).

Para isso, a Igreja é chamada a ser uma mãe de coração aberto, uma casa paterna onde “todos podem participar de alguma forma na vida eclesial, todos podem fazer parte da comunidade, e nem sequer as portas dos sacramentos se deveriam fechar por uma razão qualquer. Isto vale sobretudo quando se trata daquele sacramento que é a «porta»: o Batismo. A Eucaristia, embora constitua a plenitude da vida sacramental, não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos” (EG47). Ainda no mesmo número, o Papa pede à Igreja que estas convicções tenham consequências pastorais com prudência e audácia.

Para que o acompanhamento, discernimento e integração se realize, cada diocese estabeleceu itinerários, para que através de um acompanhamento pessoal, se formem as consciências a partir do evangelho (cf. AL37), procurando colocar-nos à escuta do que Deus está a pedir a cada família. Antes de mais é preciso que cada família se coloque numa atitude de liberdade interior, para que o discernimento não seja o que eu desejo ou quero à partida, mas que seja aquilo que Deus quer. Trata-se um caminho eclesial, em que juntos nos colocamos à escuta do que o Espírito Santo está a pedir àquela família em concreto.

Este capítulo desta exortação é uma palavra de esperança e um grande apelo às famílias, religiosos, clérigos, para que possam caminhar ao lado das famílias. O Papa relembra que “nenhuma família é uma realidade perfeita e confecionada de uma vez para sempre, mas requer um progressivo amadurecimento da capacidade de amor” (AL325). Por isso, é preciso ajudar as famílias a avançar, numa saudável tensão para algo além dos seus limites, procurando a plenitude da comunhão e do amor que foi prometida a cada família.

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