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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Isabel II e a nossa Rainha Santa

Apesar de ser expectável, foi inesperada a notícia do falecimento da Rainha Isabel II. Não obstante a sua muita idade, nada fazia supor que esse momento estivesse tão próximo, até porque, como tantas vezes tinha feito já, acabara de empossar a nova primeira-ministra da Grã-Bretanha. Deixou-nos, portanto, com aquela descrição que foi timbre do seu modo de ser e de estar na vida.

Num mundo tão dividido por ideologias, a Rainha Isabel II conseguiu uma raríssima unanimidade, talvez porque soube sempre viver à margem das polémicas ideológicas e das disputas políticas. Como chefe de Estado constitucional, não apenas da Grã-Bretanha mas também de outros países da Commonwealth, a soberana não tomava parte activa nas discussões económicas ou partidárias, nem intervinha nos conflitos internacionais.

Toda a sua vida foi de serviço e de entrega ao seu país. Logo que, pelo inesperado e prematuro falecimento de seu pai, o Rei Jorge VI, se viu obrigada a ocupar o trono britânico, Isabel II comprometeu-se, publicamente, a dedicar toda a sua existência, que foi longa, a essa missão. Por isso, enquanto outros monarcas, por razão da sua avançada idade ou outros motivos, abdicaram, como aconteceu com o Rei Juan Carlos de Espanha, a Rainha Beatriz dos Países Baixo, ou o Rei Alberto da Bélgica, ela permaneceu firme no seu posto até ao fim.

Talvez a sua entrega, certamente exemplar, à sua missão pública, tenha de algum modo prejudicado outros âmbitos da sua existência. Se foi, sem dúvida, uma óptima filha de seus pais, uma boa irmã de sua irmã, a Princesa Margarida, e uma excelente mulher do Príncipe Filipe, os sucessivos problemas com os seus filhos parecem evidenciar alguma carência na educação deles, talvez por terem tido uma mãe tão ocupada com os deveres de Estado que não lhes pôde dar toda a atenção de que careciam. Com efeito, três dos seus quatro filhos se divorciaram, o que abalou a monarquia inglesa, porque se espera dos membros da família real uma exemplaridade e elevação moral que justifique a ‘alteza’ da sua condição social. Como se costuma dizer, noblesse oblige!

Todas as comparações são odiosas e seria, certamente, de muito mau gosto beliscar a memória da soberana agora desaparecida, confrontando-a com a sua homónima e nossa Rainha Santa. Felizmente, só a Deus compete julgar os vivos e os mortos e a nós, humanos, resta-nos a gozosa obrigação de a todos honrar com a prática da caridade cristã. Mas agora, que ambas Rainhas já pertencem à História, não serão despiciendas algumas notas a este propósito.

Entre estas duas Rainhas há, como é sabido, um enorme intervalo histórico. Também não se pode esquecer que, enquanto a nossa Rainha Santa o foi por ser cônjuge do Rei D. Dinis, Isabel II era, pelo contrário, Rainha por direito próprio, como foram entre nós as Rainhas D. Maria I e sua bisneta, D. Maria II. Por este motivo, ou seja, por razão da sua condição de chefes de Estado, é óbvio que estes monarcas têm uma acrescida responsabilidade social, que necessariamente afecta e prejudica o seu desempenho familiar. Também é verdade que, enquanto os soberanos da Idade Média tinham um efectivo poder executivo, legislativo e judicial, os monarcas constitucionais praticamente não exercem nenhum poder, restando-lhes apenas uma função de moderação, dado o simbolismo e o carácter representativo da sua missão.

Singular é que a nossa Rainha Santa, não desfazendo de outras soberanas que também foram casadas e tiveram filhos, foi excelente em todos os âmbitos da sua vida: para além de uma óptima governante, foi uma devotada mulher de um marido nem sempre fiel ao seu compromisso matrimonial, bem como uma excelente mãe, não apenas dos filhos que nasceram do seu casamento, como também de outros filhos do seu marido que, com caridade heróica, acolheu e educou no paço real, como se fossem seus também. Foi tal a sua generosidade em relação a estes meios-irmãos de D. Afonso IV que este chegou a ter inveja de um bastardo de seu pai, por julgar que a Rainha Santa gostava mais dele, de quem não era mãe, do que do próprio D. Afonso IV, seu filho!

Neste terceiro milénio da era cristã, são precisos muitos exemplos de mulheres que, como a Rainha Isabel II da Grã-Bretanha, sejam uma lição de entrega e de serviço à causa pública. Mas são ainda mais necessárias mulheres cristãs que, como a nossa Rainha Santa, compatibilizem uma exigente vida profissional com a sua não menos importante missão familiar.

 

P. Gonçalo Portocarrero de Almada