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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
“Permanecei firmes na fé!”

Bento XVI deixou-nos uma preciosíssima herança teológica. Entre muitas outras obras – recorde-se, por exemplo, a sua magistral Introdução ao Cristianismo – dois principais textos o fazem merecedor de uma enorme gratidão.

O primeiro é o Catecismo da Igreja Católica, ordenado e aprovado por São João Paulo II, mas que se deve, sobretudo, ao Cardeal Joseph Ratzinger, que presidiu à comissão que o redigiu. Pela Constituição Apostólica ‘Fidei depositum’, de 11-10-1992, o Papa Wojtyla declarou que este Catecismo é “norma segura para o ensino da fé e por isso instrumento válido e legítimo ao serviço da comunhão eclesial” e pediu “aos pastores da Igreja e aos fiéis que recebam este Catecismo em espírito de comunhão, e que o usem assiduamente ao cumprirem a sua missão de anunciar a fé e de apelar para a vida eterna” (nº. 4). O Catecismo mostra, “com exactidão, o conteúdo e a harmoniosa coerência da fé católica” e responde cabalmente “a todos os homens que nos perguntem pela razão da nossa esperança (cf. 1Pd 3, 15)” (nº. 4).

Neste sentido, o Catecismo da Igreja Católica é um instrumento imprescindível para permanecer firme na fé, como Bento XVI pediu no seu Testamento espiritual: Aquilo que antes disse aos meus compatriotas, o digo agora a todos aqueles que na Igreja foram confiados ao meu serviço: permanecei firmes na fé! Não vos deixeis confundir!”    

O segundo grande legado de Bento XVI é o seu magistral Jesus de Nazaré, em três volumes. Ciente de que, desde o século XIX, persiste uma atitude de desconstrução histórica de Cristo, promovida por alguns teólogos protestantes, mas também católicos, Ratzinger acometeu esta obra maior. Também este seu texto parece de algum modo responder a uma sua preocupação pastoral, manifestada no seu Testamento espiritual: São pelo menos 60 anos que acompanho o caminho da Teologia, em especial das Ciências Bíblicas e, com o subseguir-se das várias gerações, vi ruir teses que pareciam inabaláveis, demonstrando-se serem simples hipóteses: a geração liberal (Harnack, Jülicher, etc.), a geração existencialista (Bultmann, etc.), a geração marxista. Vi e vejo como do emaranhado das hipóteses emergiu e emerge novamente a razoabilidade da fé. Jesus Cristo é realmente o caminho, a verdade e a vida — e a Igreja, com todas as suas insuficiências, é realmente o Seu corpo.

Outro aspecto em que a teologia criativa de Joseph Ratzinger se evidenciou foi na sua relação com os outros saberes, nomeadamente os de natureza científica, tantas vezes usados para contradizer a fé mas que, na realidade, a confirmam. Também sobre a relação entre fé e ciência se expressou, em termos muito significativos, no seu Testamento espiritual: Com frequência, parece que a ciência – as ciências naturais de um lado e a pesquisa histórica (em particular a exegese da Sagrada Escritura) de outro — seja capaz de oferecer resultados irrefutáveis em contraste com a fé católica. Vi as transformações das ciências naturais desde tempos remotos e pude constatar como, pelo contrário, desapareceram aparentes certezas contra a fé, demonstrando-se ser não ciência, mas interpretações filosóficas somente […]; assim como, por outro lado, é no diálogo com as ciências naturais que também a fé aprendeu a compreender melhor o limite do alcance de suas afirmações e, portanto, a sua especificidade.”

Confesso que me comovi quando soube que as últimas palavras de Bento XVI foram: “Senhor, eu amo-Te!”. Mais do que Papa, cardeal, bispo, padre, professor, teólogo ou exegeta, que foi de forma excelente, Joseph Ratzinger era e é, sobretudo, um homem profundamente apaixonado por Jesus Cristo: é este seu amor que explica toda a sua vida e obra e permite conhecer a verdadeira dimensão do seu extraordinário serviço à Igreja e ao mundo.

Por ocasião da morte de São João Paulo II, um clamor universal exigiu a sua imediata canonização, que o seu sucessor fez bem em só declarar depois de realizados os trâmites exigidos para esse efeito, porque a Igreja não pode ceder às tentações fáceis do sentimentalismo, nem do populismo. Também agora se impõe pedir o pronto reconhecimento da virtude e do saber do seu sucessor na cátedra de Pedro, para o esclarecimento da humanidade, o bem da Igreja e a maior glória de Deus.

 

P. Gonçalo Portocarrero de Almada