Lisboa |
Capela do Rato
“Deus não desiste de ninguém”
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O Cardeal-Patriarca de Lisboa visitou a Capela do Rato, deixando um apelo a “corrigir o que tem de ser corrigido”, mas “sem deixar de amar” o outro. “As duas atitudes têm de coincidir, porque se não seremos muito justiceiros, mas cristãos não seremos”, salientou D. Manuel Clemente. Capelão destaca a “comunidade singular”, que procura “um diálogo fecundo entre fé e cultura”.

 

De visita à Capela do Rato, o Cardeal-Patriarca de Lisboa assegurou que “Deus não desiste de nada, nem de ninguém”, e convidou a “duas atitudes” perante os casos de abusos de menores. “Nestas circunstâncias atuais, em que lamentamos tanta desgraça, tanta coisa que não devia ter acontecido, com os nossos irmãos mais pequeninos, mais frágeis, e muito menos em meio de Igreja, nestas alturas nós ouvimos que a santidade de Deus tem duas vertentes”, observou, na homilia, concretizando: “Temos que corrigir o que está mal, sempre e corrigir mesmo”. Mas, “corrigindo o que tens que corrigir, punindo quem tens que punir, não deixarás de o amar”. “Estas duas atitudes revelam-nos a santidade de Deus”, assegurou D. Manuel Clemente. “As duas atitudes têm de coincidir, porque se não seremos muito justiceiros, mas cristãos não seremos. Quer na Igreja, quer na sociedade, se não tivermos esta abertura de espírito, não resolvemos nada. Porque só o amor é que muda o mundo. Nesta casa, sabe-se isso há muito tempo”, sublinhou.

Antes da bênção final, o Cardeal-Patriarca deixou “o desejo de uma santa Quaresma, no sentido de que estes 40 dias nos aproximem da santidade de Deus”. “Corrigindo o que houver a corrigir e não desistindo seja de quem for”, reforçou.

 

Continuidade e adaptação

Capela do antigo Palácio dos Marqueses de Praia, edificada em 1839 por iniciativa do então Marquês de Viana, a Capela de Nossa Senhora da Bonança, vulgarmente conhecida como Capela do Rato, está situada na Calçada Bento da Rocha Cabral, na cidade de Lisboa. Ecoa na memória social e política a vigília de oração pela paz que nela teve lugar, contra a ditadura e a guerra, na passagem de ano de 1972 para 1973. “É uma comunidade singular, esta da Capela do Rato, marcada por uma história de mais de 50 anos, marcada também por um presente e por novos desafios”, assinala, ao Jornal VOZ DA VERDADE, o atual capelão, padre António Martins. Deixando “uma nota sociológica”, o sacerdote sublinha que esta “não é uma comunidade territorial”. “É uma comunidade de pessoas em que algumas residem na zona da freguesia de Santo António, a maioria vem de outros lugares, de outros territórios paroquiais. São pessoas ligadas por uma afinidade, um afeto e o gosto de estar juntas, com uma liturgia simples que permite uma grande partilha de fé, de alegrias e também de solidariedade”, explica. A capela é pequena, em tamanho, o que permite “um conhecimento entre as pessoas”, mas igualmente “dinâmicas de afeto, de fraternidade, de cooperação”. “Tornam um lugar muito humano. O ambiente muito concentrado permite um discurso e uma presença muito franca, muito direta, muito despojada na relação entre quem preside e a comunidade envolvente, à volta do altar”, garante o capelão.

O padre António Martins sucedeu ao cardeal D. José Tolentino de Mendonça como capelão, há quase cinco anos, em julho de 2018. “Tenho procurado a continuidade da grande herança que recebemos do padre Tolentino, um diálogo fecundo entre fé e cultura, entre fé, beleza e arte, quer pela literatura, quer pela poesia, quer pela música, quer também pela pintura e pela escultura”, frisa o responsável, não escondendo que o “grande desafio” foi “aguentar a comunidade em tempos de pandemia”. “Foram dois anos difíceis e desafiantes”, assume. “Neste ano, finalmente, estamos a viver uma vida comunitária que considero de boa resposta. Temos novas pessoas, a comunidade está a responder e estamos a viver uma vida comunitária serena”, acrescenta.

 

Vida pastoral

A única Missa na Capela do Rato é celebrada ao Domingo, às 11h30. “A comunidade não é assim tão grande, nem é territorial, que permita duas Eucaristias”, explica o capelão. Por outro lado, tem uma representação da Comunidade de Santo Egídio, de Roma, que permite “uma ação de solidariedade social com pessoas idosas ou em situações de alguma fragilidade socioeconómica”. “É uma nota de solidariedade social que a comunidade também procura ter”, destaca o sacerdote.

Durante a semana, a capela está aberta à segunda-feira, para um curso, na sua oitava edição, que é “um diálogo entre espiritualidade, filosofia e literatura”, coordenado por Luísa Ribeiro Ferreira, professora catedrática emérita da Faculdade de Filosofia da Universidade de Lisboa. “Cruzando estas três dimensões, convidamos pessoas a vir partilhar a sua leitura de um livro. Este ano, o curso intitula-se ‘Da Guerra e da Paz’, pelos 50 anos da vigília e devido à guerra na Ucrânia”, esclarece o padre António, não esquecendo as “celebrações e vigílias de oração” que são organizadas pela Capela do Rato, “sobretudo à quarta ou quinta-feira”.

Um “ponto diferenciado” da Capela do Rato é o grupo de catequese de adultos, “por onde passam pessoas inquietas, à procura de Deus”, que estão “desejosas de aprofundar, de uma forma mais fecunda, e mais radical, a experiência cristã”. “Todos os anos tem funcionado, com cerca de dez pessoas. Gente de fora, verdadeiramente de fora, profundamente inquieta, que vem fazer um percurso de fé com total disponibilidade, liberdade, desejo de procura, procurando também outros sinais e outras referências menos tradicionais de ser Igreja. É a nossa proposta e a resposta é agradável”, observa.

A vigília de oração pela paz, em 1972, “reflete-se, nos dias de hoje, numa linha de continuidade”. “Há pessoas que participaram, há 50 anos, então jovens universitários, e que hoje continuam presentes na vida da comunidade. São os históricos, são as colunas”, garante o padre António Martins. “Há uma memória que ainda é protagonizada por pessoas concretas que ligam o passado ao presente. A memória não tem apenas a ver com estes acontecimentos. A comunidade da Capela do Rato, já nessa altura, era um lugar de efervescência das dinâmicas pós-conciliares. O padre Alberto Neto, que era na altura o pastor, introduziu e adaptou a vida da comunidade às novas dinâmicas conciliares. Era uma comunidade muito marcada por um estilo profético, com homilias claras, diretas, de convocação dos leigos à intervenção na sociedade, de leitura dos sinais dos tempos, de um testemunho profético do Evangelho que não pode ficar acomodado ou protegido na sacristia ou nos lugares de culto, mas deve mergulhar nas questões do mundo e ser sal da terra e fermento na massa”, destaca o capelão da Capela do Rato.

 

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Visita à exposição

O Cardeal-Patriarca visitou o núcleo da mostra expositiva ‘A Paz é Possível. A vigília da Capela do Rato e a contestação à guerra colonial’ que esteve patente, até esta semana, na entrada norte da Capela do Rato. A visita foi acompanhada pelo historiador Paulo Fontes, diretor do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica, e pelo capelão, padre António Martins.

 

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Caminhada sinodal “profundamente surpreendente”

O Sínodo 2021-2024, com o tema ‘Por uma Igreja sinodal – Comunhão, Participação, Missão’, foi “das coisas mais bonitas e mais profundas” que foram organizadas na Capela do Rato no tempo do atual capelão. “Foi uma dinâmica verdadeiramente sinodal de corresponsabilidade. Foi sinal da maturidade de um laicado responsável, interventivo, crítico”, assinala, ao Jornal VOZ DA VERDADE, o padre António Martins, que explica a caminhada feita: “Tivemos uma etapa primeira de três conferências, sobre dinâmicas e desafios sinodais do presente na Igreja em Portugal, em que pedimos a colaboração de três teólogos especialistas; depois, a reflexão sinodal, a oração, a partilha, por grupos. Formaram-se 14 grupos na dinâmica da comunidade, uns que se reuniam presencialmente, outros online, e fizemos duas assembleias comunitárias online e uma terceira, presencial, em março do ano passado, para aprovar o texto final”.

Para o sacerdote, a caminhada sinodal, proposta pelo Papa Francisco, na Capela do Rato, foi “profundamente surpreendente”. “Tivemos pessoas de Aveiro, de Guimarães, de França. Foi tão belo, tão participado, tão rico na serenidade com que as pessoas diziam o que pensavam e desejavam, para uma Igreja renovada e reformada”, considera. “Penso que demos um bom contributo para uma diversidade na Diocese de Lisboa. Foi uma dinâmica que particularmente nos honra e que oferecemos à cidade”, acrescenta o padre António Martins.

A reflexão sinodal da Capela do Rato foi entregue, em mãos, ao Cardeal-Patriarca, D. Manuel Clemente, e está disponível no site www.capeladorato.org/sinodo.

 

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Recordar o diácono José Alberto Costa

“O rosto do acolhimento da capela”. É desta forma que o capelão da Capela do Rato recorda o diácono José Alberto Costa, que faleceu em outubro passado, aos 72 anos, vítima de doença. “O José Alberto esteve na vigília de oração pela paz e atravessou estes 50 anos com um trabalho empenhado e comprometido na vida da capela. Era uma das grandes colunas desta memória viva e, ao mesmo tempo, da vida organizada da capela e do acolhimento de tanta gente. Foi uma perda trágica para todos nós, muito sentida”, recorda o padre António Martins, lembrando o “momento muito crítico, muito difícil”. “Tivemos de refazer a comunidade nalgumas coisas que o José Alberto assegurava, como a preparação para o crisma, o grupo de catequese de adultos, o acolhimento, o serviço ao altar”, refere.

 

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Condecoração

A comunidade da Capela do Rato foi condecorada, pelo Presidente da República, como Membro Honorário da Ordem da Liberdade. “Estou aqui para atribuir a Ordem da Liberdade a esta comunidade, por representar um momento histórico determinante para o percurso de conquista da Liberdade. Aqui houve um gesto de luta pela liberdade, e esse gesto merece ser assinalado”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, que entregou as insígnias ao capelão, padre António Martins, a 14 de dezembro último.

texto e fotos por Diogo Paiva Brandão
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