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António Bagão Félix
A verdadeira centralidade da JMJ

A próxima Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em Lisboa é um acontecimento de inegável importância e de enorme responsabilidade. Como está dito no site oficial, a JMJ é um encontro de jovens de todo o mundo com o Papa, abarcando também uma peregrinação, uma festa da juventude, uma expressão da Igreja universal e um momento forte de evangelização do mundo juvenil.

É, pois, uma oportunidade para celebrar a fé e o sentimento de pertença à Igreja, para densificar a esperança e a caridade cristãs, a paz e a harmonia geracional, a fraternidade entre os povos e as nações de todo o mundo e para revitalizar a família como expressão natural e genuína de amor, partilha e responsabilidade.

Aquando do seu anúncio em 2019, juntaram-se numa clamorosa manifestação de júbilo todas as altas individualidades do nosso país, desde pessoas assumidamente católicas praticantes, a cristãos mais ou menos “inactivos”, agnósticos e ateus. Foi o momento predilecto da “festa civil” e da politização do evento, onde, então, convergiram o mediatismo instantâneo, o aproveitamento institucional, a distribuição gratuita de parabéns, e a enfatização do papel que cada qual teve na escolha de Lisboa.

Depois, o país “hibernou” com a pandemia e a excitação laical esmoreceu. Entretanto, a JMJ foi prudentemente adiada por um ano. E à boa e tardia maneira portuguesa, lá se foram criando umas comissões, se nomearam uns responsáveis, se atribuíram em “regime fatiado” umas competências, se adicionaram uns tantos assessores, se fizeram umas sessões públicas com direito a notícia e reportagem, se mostraram uns esquissos disto e daquilo e se deram a conhecer umas conversas alegremente descontraídas sobre espaços, tempos, projectos, altares, lugares, etc.. Pudemos constatar a unanimidade ou, pelo menos, a serena convergência de todos sobre tudo. Foi o tempo dos abraços político-clericais (ou seu inverso). Tudo numa boa!

Eis que, de um dia para o outro, a essência da JMJ se betoniza e se transforma num labirinto de euros e de construções. Aí percebemos – como agora é moda de desculpa em Portugal – que a maioria dos responsáveis “não sabiam de nada” e “não estava no seu campo de acção”. Derramaram-se lágrimas de crocodilo. Desde o Presidente da República ao Bispo responsável pela JMJ, desde quase todos os responsáveis a comentadores encartados e a conversadores de café, a JMJ transformou-se numa espécie de estaleiro de projectos, de obras por rever, de altares a passar a palcos, de orçamentos para todos os desgostos e mágoas, de comparações ignorantes ou enviesadas com o que aconteceu em anteriores JMJ, de tecnocráticas e imaginativas taxas de retorno, de euros como medida de tudo.

Tanta notícia e tanto comentário de uma tão oportuna, quanto eficiente “crise” fez desvanecer rapidamente a já de si curta memória das pessoas, sobre os casos políticos em torno do Governo. “Veio mesmo a calhar”, terão dito ou pensado os governantes nos corredores do poder. Uma ardilosa abordagem que também foi uma forma de questionar a centralidade responsável dos autarcas de Lisboa. Claro que o tema dos custos tem importância, mas vê-lo como se de estádios de futebol ou autódromos se tratasse é um atrofiamento do que visa uma JMJ para a comunidade católica. Importa dizer também que neste aspecto, a própria Igreja não foi capaz de saber conciliar a importância religiosa e espiritual do acontecimento com a prudência que tão bem São Tomás de Aquino definira há oito séculos: “é necessário que haja na razão uma virtude intelectual que lhe dê bastante perfeição para melhor se comportar em relação aos meios a tomar. Esta virtude é a prudência.”

E, assim, a 6 meses da JMJ, lá nos iremos desenrascar. Esperando que se acalmem os extremosos defensores dos euros (excepto quando lhes convém) e, finalmente, se viva a JMJ nos exactos termos da Mensagem para a XXXVII JMJ do Papa Francisco, de que aqui cito o último parágrafo: “Depois dum prolongado período de distanciamento e separação, em Lisboa – com a ajuda de Deus – reencontraremos juntos a alegria do abraço fraterno entre os povos e entre as gerações, o abraço da reconciliação e da paz, o abraço duma nova fraternidade missionária! Que o Espírito Santo acenda nos vossos corações o desejo de vos levantardes e a alegria de caminhardes todos juntos, em estilo sinodal, abandonando falsas fronteiras. O tempo de nos levantarmos é agora. Levantemo-nos apressadamente! E, como Maria, levemos Jesus dentro de nós, para O comunicar a todos. Neste belíssimo momento da vossa vida, avançai, não adieis o que o Espírito pode realizar em vós! De coração abençoo os vossos sonhos e os vossos passos”.

Que a espiritualidade se sobreponha, pois, à monetarização diabolizada! “Todos juntos em Lisboa!”, como pediu Francisco.

 

António Bagão Félix

(texto escrito com a grafia anterior ao AO 90)