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Brotéria #1
É de misericórdia que se trata
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A verdade é que, desde o passado Maio de 2013 até ao presente Março deste ano de 2023, a bússola do Papa Francisco tem sido a mesma e a sua rota, a mesmíssima. Sair. Cuidar. Evangelizar sempre segundo o cânone da doutrina social da Igreja. E se Francisco atendeu prioritariamente ao que está para além da Europa e privilegiando pastores oriundos dessas lonjuras, o seu olhar, o seu cuidado e o seu ofício partiram do mundo para ir ter com o mundo: foram, são, universais.

A par do seu extraordinário trabalho como reformador – e evoque-se, desde já, a reforma da Cúria como porventura o mais complexo mas indispensável dos seus trabalhos –, há que lembrar alguns dos seus temas por me parecerem merecedores de aplauso atento: o vivíssimo empenho no diálogo inter-religioso expresso na sua encíclica de Outubro de 2020 Fratelli Tutti, onde propõe a “fraternidade humana” como objectivo e destino. Uma proposta teológica de vida quotidiana que explica, define, alenta esse aspecto relevantíssimo do magistério de Francisco: a fraternidade! Palavra belíssima. 

Em nome dela, não poucas vezes o vimos promover o seu próprio encontro com personalidades de várias confissões religiosas, como o Patriarca Ecuménico Bartolomeu e o Arcebispo de Cantuária, Justin Welby, assinando com eles, em Setembro de 2020, uma “Mensagem para a Protecção da Criação”. Ou confessar-nos que na redação da Fratelli Tutti “fora especialmente estimulado pelo Grande Imã Ahmad AL- Tayyeb a propósito da dignidade e dos direitos de todos os seres humanos”, vindo a assinar com ele, na cidade de Abu Dhabi, um muito interpelador texto, “Fraternidade Humana pela Paz Mundial e a Convivência Comum”, que trata da “fraternidade” entre cristãos e muçulmanos. Melhor dizendo, um texto-referência.

Não esqueçamos que, também em 2020, o mundo seguira atentamente o passo fatigado de Francisco numa viagem ao Iraque. Era a primeira vez que um Sumo Pontífice ali se deslocava e, apesar de algum cepticismo, nada perturbou o chefe da Igreja na convicta vontade do seu encontro iraquiano com o Grão-Aiatolá Sayyid Ali Al-Husayni Al-Sistani: a cidade de Najaf, onde ambos dialogaram, foi a moldura de mais uma etapa da militância inter-religiosa deste Papa.

É verdade que, se a fé fortalece e se fortalece no diálogo inter-religioso, admite-se que haja dúvidas: os resultados da caminhada do chefe da Igreja no seu percurso através de outras confissões podem não parecer nem fartos nem óbvios. Mas não é verdade que meio caminho foi já andado por Francisco na incansável senda desse diálogo? E que no apelo à “fraternidade humana” como mote de vida, todo o caminho e não já só meio, (nos) foi aberto de par em par?

E há a ecologia e há a economia. Não pouca coisa. Dois marcos decisivos, dois grandes temas deste papado. 

Olhemos para a Casa Comum e sigamos o Papa nessa prioridade fulcral quando pede “cuidado” para a casa de todos. Pede aliás mais: ao apelar a uma “mudança de consciência”, pede uma “conversão” no seu inteiro sentido. Só ela nos transportará a esse património global de onde ninguém está excluído: todos serão chamados, todos serão escolhidos. A gravidade da questão ecológica que tanto interpela o Santo Padre não se compadece, nem menos se confunde, com uma, mais uma, soma de soluções, uma lista de medidas avulso, meia dúzia de conferências internacionais, reuniões de “sábios”: não pode vir de fora, tem de, imperativamente, nascer de dentro. Tão pouco reclama bandeiras ideológicas ou slogans políticos que, por definição, elegem uns e vetam os outros. Reclama “a” conversão interior de que nos fala S. Francisco, pede um olhar despoluído do ar do tempo, anuncia um tempo novo, conversão que é individual antes de poder ser colectiva, que promove a responsabilidade de habitar a casa comum. Ninguém é dispensado, nem dispensável, da sua manutenção, do cuidar do seu embelezamento, do garantir do seu futuro. Desta feita já não com palavras ao acaso de alguns substantivos ou adjectivos, mas respondendo à chamada da “conversão interior”.  Por entre tantas mochilas que o Santo Padre leva aos ombros, a da Casa Comum não será certamente das mais leves.

 

Maria João Avillez
Excerto do artigo “É de misericórdia que se trata. Um testemunho, no Xº Aniversário do Pontificado de Francisco”, em Brotéria 196-3 (2023): 297-305.

 

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Parceria

O Jornal VOZ DA VERDADE inicia, com este artigo, uma parceria de colaboração com a Brotéria. Mensalmente, no 3.º Domingo de cada mês, nesta mesma página, o Centro Cultural dos jesuítas portugueses no Bairro Alto, em Lisboa, marca a sua presença no semanário do Patriarcado de Lisboa.

 

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