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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Morte medicamente assistida, ou … provocada?!

Numa muito esclarecida e esclarecedora entrevista ao Notícias de Viana, no passado 9-2-2023, o Padre Fábio Carvalho, capelão do Hospital de Viana de Castelo, diocese em que também é pároco, fez algumas considerações que, por estarem inspiradas na sua prática pastoral, têm uma especial pertinência. Por vezes, os legisladores criam normas desfasadas, porque elaboradas no desconhecimento da realidade que pretendem regulamentar. Quem está no terreno, como os profissionais da saúde e os capelães hospitalares, tem, pelo contrário, um conhecimento de experiência feito, que alia a competência científica e pastoral ao conhecimento prático dos doentes e das suas famílias.

Neste sentido, o Padre Fábio Carvalho manifestou-se partidário da morte assistida, não como sinónimo de morte provocada, mas como expressão da assistência devida aos doentes através dos cuidados paliativos e do acompanhamento familiar até ao fim natural: A medicina paliativa supõe assim uma verdadeira mudança de mentalidade, na medida em que exige que se ponha em prática o princípio fundamental de que quando não se pode curar, pode-se ainda cuidar e aliviar; o que implica a recusa cabal da obstinação  terapêutica e da eutanásia. Na perspectiva dos cuidados paliativos, ‘ajudar a morrer’ terá sempre de ser um ‘ajudar a viver’ dignamente até ao fim natural, com recurso aos meios de diagnóstico e terapêutica adequados, num diálogo contínuo entre a pessoa doente, os seus familiares e equipa de cuidados de saúde”.

Numa perspectiva que, mais do que católica, é humanista, o capelão do Hospital de Viana do Castelo não pode deixar de ter uma visão crítica da eutanásia, que o Partido Socialista, o Partido Liberal, o PAN e o Livre pretendem legalizar em Portugal, não obstante os sucessivos chumbos do Tribunal Constitucional. Como esclareceu nesta entrevista, a lei da eutanásia não despenaliza a morte assistida; a lei da eutanásia despenaliza a morte provocada – o homicídio – às mãos daqueles cuja arte médica impede um acto totalmente contrário à natureza da sua profissão. De facto, desde Hipócrates que a prática da medicina viu consagrada a recusa de administrar venenos letais aos doentes, mesmo que a seu pedido”.

Como é sabido, o argumento mais recorrente para a legalização da morte provocada é o princípio da autonomia da vontade, mas, como diz o entrevistado, o princípio da autonomia individual não legitima o mito “de que cada pessoa seria livre de modo tão absoluto que chegaria a existir sem qualquer vínculo com a verdade e com o bem de si mesma e da sociedade que integra”. Com efeito, mesmo que um ser humano, de sua consciente e livre vontade, decida prescindir da sua liberdade, ou vender uma parte do seu corpo, nenhum ordenamento jurídico permite que o faça, porque a sua liberdade não pode comprometer exigências fundamentais da dignidade humana, que são irrenunciáveis, tais como a liberdade, a integridade do corpo humano e a vida.

Como esclarece o Padre Fábio Carvalho, há direitos inalienáveis do ser humano: “o direito a não sofrer inutilmente; o direito a que se respeite a sua liberdade de consciência; o direito a conhecer a verdade sobre a sua situação; o direito a participar nas decisões acerca das intervenções a que vai ser submetida; o direito a manter um diálogo confiante com os médicos, amigos e familiares; o direito a que seja respeitada a sua privacidade e a presença dos familiares; o direito a resolver os assuntos que considera fundamentais para a sua vida; o direito a receber assistência espiritual.” Morrer com dignidade é, afinal, respeitar estes direitos fundamentais, no respeito pela vida até ao seu fim natural.

Não obstante a maioria dos deputados ser favorável à legalização da morte medicamente provocada, o Padre Fábio Carvalho mostra-se confiante em relação ao futuro, que afirma estar nas mãos daqueles que têm convicções seguras do ponto de vista ético, que concebem a existência num horizonte de transcendência e assumem a responsabilidade de defender e promover a cultura da vida, dando assim corpo ao Evangelho da Vida que é Jesus Cristo.”



P. Gonçalo Portocarrero de Almada