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Carta ao meu filho diferente
Meu filho,

O meu coração cresceu desde que tu com a tua diferença passaste a fazer parte das nossas vidas, da minha e da do teu pai.

De facto, tu não falavas, quando todos os outros meninos já o faziam, e não suportavas ambientes estranhos ou olhar as pessoas de frente. Pensámos que eras hiperactivo. Mas enganávamo-nos. O diagnóstico veio com muita suavidade, “perturbações da comunicação e da relação”, o que significa estares algures num ponto impreciso do “espectro do autismo”. E seguiram-se meses de dor e incerteza.

Em que ponto desse espectro estarias tu?

Receámos pelo teu futuro, duramente marcado por uma realidade difícil e sem cura.

E foi nessa escuridão profunda, que, pouco a pouco, nos foste revelando como és tão especial, tão único. Ao longo destes anos, mostraste-nos que a tua diferença exige maior amor, maior entrega, maior investimento de tempo, maior dor, maior frustração, maior resistência.

Pouco a pouco, eu e o teu pai, percebemos que os nossos corações começavam a pesar mais dentro do peito. Não que estivessem a pesar mais por causa da dor. Mas porque aumentaram. Tiveram que aumentar! Aumentar de tamanho, para que tu, que és tão grande, lá pudesses caber!

Os pulmões tiveram que se adaptar e passar a lançar mais oxigénio nos nossos corações mais crescidos. Estou seriamente convencida que todo esse oxigénio se converteu em lágrimas, por um processo bioquímico ainda por descobrir pela Ciência. Lágrimas quentinhas, ternas, silenciosas.

E, depois, contigo vieram outros. Sim, trouxeste à nossa existência pessoas maravilhosas, com corações enormes que, se não fosses tu, nunca teríamos a bênção de ter conhecido. Pessoas que se entregam nas suas vidas profissionais a ajudar meninos e adultos diferentes. Pessoas que saem do status quo. Ganham pouco dinheiro, mas o seu trabalho é literalmente amar o próximo. Muitas vezes honrando os corpos deformados e as mentes estagnadas de outras pessoas cuja dignidade de filhas de Deus não ofendem, mas sim protegem. Outras vezes, lutando para quebrar as barreiras da doença e elevar os limites, para que alcancem vitórias sobre si mesmas e sejam mais felizes, tanto quanto é possível nesta Terra.

Será que vais falar? Será que vais aprender a ler e a escrever? Terás um trabalho, quem sabe um emprego? Serás capaz de te sustentar e ser autónomo?

Todos os dias a braços com uma ou outra terapia - terapia da fala, psicologia, terapia ocupacional, psicomotricidade - e trabalho esforçado na escola, onde frequentas o 1º ano do ensino básico, com a professora do regular e a professora de apoio, e ainda em casa onde estimulamos a tua vontade de aprender e consolidamos as novas aquisições e conhecimentos.

E onde se meteu Deus nesta tua história?

Nos primeiros tempos, em que as chagas estavam abertas: “Deus afasta de nós esta cruz amarga, devolve-nos o nosso filho perfeito. Mas faça-se a Tua Vontade e não a nossa ”. Foram os tempos mais difíceis, em que não queríamos acreditar, em que quisemos negar as evidências, mas todos os dias a realidade esbofeteava-nos logo pela manhã. A bofetada a pouco e pouco foi-se suavizando até se tornar uma carícia e, hoje, não te desejamos de outro modo, diferente daquele menino verdadeiramente encantador que és, com todas as tuas limitações e promessas de evolução ou não, para nós, mas também para muitos que cruzam contigo e não estão cegos pelo preconceito.

Tempos depois, conheci que Jesus estava em ti. A chamar-me para O seguir. A minha oportunidade privilegiada de O amar, de crescer no Amor. Assim, de bandeja, em ti que para nós já não és um peso, mas uma alegria, a nossa paz, o centro da nossa família.    

O teu riso, o teu sorriso, o teu olhar traquina que já procura o nosso, o teu corpinho que é incapaz de ficar quieto quando tem a rédea solta. Tudo nos faz falta.

Abraço a minha cruz, meu filho, não passo sem ela. Foi a que Deus me estendeu, e com ela me regozijo. Se com ela vou entrar no Céu, meu querido filho de ouro, foi a Bondade Divina que me deu este peso de pluma, que não agrava a minha caminhada, antes lhe dá sentido.

Agradeço a Deus, que é o Amor de todo o amor, seres o nosso filho. De facto, não tenho palavras que exprimam a minha imensa gratidão.  

Amo-te, meu filho.

Tua Mãe