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Se Jesus vai na barca nada temo, pelo padre Duarte da Cunha
A Igreja Católica, por estranho que possa parecer a quem não tem fé, não é uma simples instituição humana, ainda que esteja bem encarnada na história. Por isso, numa época em que a Igreja deixa de ser tida com consideração e se torna quase óbvio dizer mal dela, aproveitando-se do pecado de alguns para dizer mal de toda a Igreja, pareceria normal que nos começássemos a defender e a procurar justificar-nos. Mas, em vez disso, a Igreja não se põe a defender-se. Deixa isso com Deus. Ela preocupa-se com outros ataques: os do pecado.

Na sua homilia pela festa dos Apóstolos Pedro e Paulo, o Papa dizia:

“Com efeito, se pensamos nos dois mil anos de história da Igreja, podemos observar que – como tinha anunciado o Senhor Jesus (cf. Mt 10, 16-33) – nunca faltaram aos cristãos as provas que, em alguns períodos e lugares assumiram o carácter de verdadeiras perseguições. Estas, no entanto, apesar do sofrimento que provocam, não são o perigo mais grave para a Igreja. O maior dano, de facto, ela sofre a partir daquilo que inquina a fé e a vida cristã dos seus membros e das suas comunidades, corroendo a integridade do Corpo místico, enfraquecendo a sua capacidade de profecia e de testemunho escondendo a beleza do seu rosto.”

É verdade que alguns jornais parecem estar numa cruzada contra a Igreja. É verdade que há grupos que tentam destruir a cultura que a fé tinha forjado, só porque são contra a Igreja. É verdade que o que aconteceu aos bispos belgas no dia 24 de Junho, pela desproporção e pelo modo como foi feito, não pode ser considerado um simples e legítimo exercício do poder judicial. Mas mesmo assim o mais importante é que a Igreja – cada cristão – não perca a sua profunda relação com Deus. Se os homens e as mulheres crentes deixam Deus para segundo plano, pouco importa se somos ou não perseguidos, porque perdemos de certeza toda a nossa força, já que esta não vem de nós e se nos desligamos da fonte deixamos de ter onde as ir buscar.

Isto é particularmente dramático num momento da história em que se quer fazer passar como moralmente justo coisas contrárias à mais básica moral natural, como o aborto, as relações sexuais fora do casamento, inclusive entre pessoas do mesmo sexo, a eutanásia, só para citar as mais patentes. Mais do que noutras épocas hoje é preciso uma Igreja forte, servidora da Verdade e testemunha da caridade, sem heresias, sem o escândalo da divisão, que não tenta justificar o pecado mas sabe pedir perdão para se colocar nas mãos da misericórdia de Deus.

No início do século XX, vários intelectuais, políticos e jornalistas defendiam a pureza da raça, discutiam esses temas e promulgavam leis no sentido de haver gente de primeira e gente de segunda. Esses ficavam horrorizados com os missionários que não faziam acepção de pessoas e eram capazes de tratar a todos como irmãos. Graças em grande parte a vários santos, sacerdotes e leigos, intelectuais, muitos convertidos, pais e mães de família que viveram a fé a sério e deixaram Deus iluminar as suas inteligências, mesmo que se tenha tido de passar por duas grandes guerras, hoje ficamos nós horrorizados a pensar que havia quem defendesse a pureza étnica e promovesse genocídios.

Como no século passado, também sobre os temas actuais fracturantes, estou certo que daqui a uns anos nos escandalizaremos pelas leis de aborto ou pelas tentativas de destruir a família de que a nossa geração está a ser protagonista. Nem sequer será estranho que seja preciso a sociedade bater com a cabeça na parede para acordar, o que pode significar que nos esperam tempos violentos e confusos mas, como dizia o Cardeal Newman, que será beatificado no próximo mês de Setembro: “Se me colhe a tempestade. E Jesus vai a dormir na minha barca. Nada temo, porque a paz está comigo.