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AS VERDADES DA VERDADE (por A. Pereira Caldas)
As verdades…

 

A verdade é, na aparente simplicidade do seu significado, um conceito complexo. Ou, talvez mais do que complexo, difuso. “A cada um a sua verdade” não é, como se pode julgar com ligeireza, uma simples frase feita, mas antes uma tradução bem real da multiplicidade de “verdades” que faz o nosso quotidiano.

É um facto: as verdades nascem como cogumelos, por todo o lado, à medida de conveniências, interesses, objectivos, intenções e tentações, sabiamente usadas por indivíduos, grupos, instituições e poderes, para quem o escrúpulo não é mais do que uma palavra perdida nos dicionários.

 

Um dos terrenos mais férteis para a sementeira de verdades é – evidentemente que é… – a política. Com tudo o que a política envolve. E não falta por onde escolher. Há as meias-verdades, sempre misteriosas na dúvida que deixam sobre as outras meias; e há as verdades que se dizem hoje, com vigorosa convicção, para deixarem de o ser quando convier; e há as verdades fora dos contextos que, sendo as mesmas, não o são dentro dos contextos; e há as verdades escondidas por detrás de outras verdades, de que apenas será possível adivinhar os contornos no meio da confusão que deliberadamente provocam; e há esse estranho paradoxo das verdades que nascem de mentiras sistematicamente repetidas.

 

Há, até, verdades que se negam a si próprias, as “inverdades” tantas vezes invocadas por aí, a propósito e a despropósito, e que só servem para, suavemente, não se chamar mentira ao que nada mais é do que isso mesmo – uma mentira…

 

Depois há, ainda, o boato. O boato que se lança para, de “ouvir dizer” em “ouvir dizer”, construir e pôr a circular uma certa “verdade”, com objectivos tão sujos como bem definidos – e melhor dirigidos. O boato que é, por isso, uma das armas mais perigosas que uma sociedade livre corre o risco de deixar, quase sempre sem conseguir evitá-lo, ao serviço de ambições e interesses inconfessáveis, sejam eles individuais ou de grupos.

 

…e as Verdades

 

Seria, pois, fundamental, nestes tempos perturbados e perturbadores em que esbracejamos, que cada indivíduo fosse capaz de separar o trigo do joio – e procurasse encontrar a Verdade. E para o fazer só dispõe de um caminho: descobrir o que é para si a Verdade, aquela Verdade com letra grande que se enraíza na matriz de valores que pauta a sua vida e em que sente que acredita, seja qual for o momento ou a circunstância.

 

Julgar-se-á, aparentemente com alguma razão, que é procurar uma agulha num palheiro – ou seja, uma missão praticamente impossível.

 

Mas não é.

 

Há mais de dois mil anos, os cristãos encontraram no palheiro das verdades, a sua Verdade. Quer dizer, encontraram o que é para si a Verdade. E sabem o seu valor. Jesus disse “Eu sou Verdade e a Vida” – e eles acreditaram. E acreditam. Acreditam que a Verdade é Deus – e que essa é a única Verdade porque fundida no Deus único.

 

Porém, se isto é uma realidade para o cristianismo, é-o também para as outras religiões monoteístas. O que significa que a Verdade única de uns não é a Verdade única de outros. Mas, uma coisa é certa: pesem embora as diferenças, têm uma raiz comum e um tronco comum: são ancoradas na fé e construídas pela fé.

                                                                          

É dessas Verdades – que a germinação da semente de Assis há-de aproximar cada vez mais – que o mundo precisa como de pão para a boca.

 

Por uma razão tão simples como essencial: ter em que acreditar – e acreditar…

                                                                 

*Jornalista