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Redesenhar o céu da nossa cidade (pelo Pe. Alexandre Palma)
Há em Roma um tipo estranhíssimo de habitantes. São estorninhos, que por esta época invadem aos milhares a velha cidade. Não fora a quase contradição, diria-se-ia que estes animais têm personalidade. Eles, na verdade, povoando a cidade, como que lhe resistem. Contrariam, desde logo, o sentido da mobilidade urbana. É que estes cidadãos alados, ao contrário dos outros, pernoitam no centro urbano, para à alvorada, escaparem para a periferia montanhosa, onde a vida será mais aprazível e o alimento abundante. Sem o saberem, dão corpo ao que no «Tríptico Romano» João Paulo II recordava aos que têm sede das fontes de água cristalina: «Terás que nadar contra a corrente»!

Este trânsito diário poderá passar desapercebido à maioria na cidade. O mesmo, porém, não se poderá dizer do modo como estes estorninhos romanos a sobrevoam em bando. Numa coreografia digna do melhor bailado, deambulam sincronizadamente pelos ares. Esvoaçam de cá para lá, exibindo uma alegria e liberdade que contrasta com a rotina cinzenta e mecânica da vida urbana. Sobressaem pelas espantosas figuras, belas mas misteriosas, que desenham no céu com esse seu movimento. Pertencendo a esta velha cidade, é como se a criticassem, construindo uma outra suspensa nos ares, mais leve e mais ágil. À semelhança do que, por exemplo, fez Gaudí em Barcelona, é como se nos obrigassem a levantar o olhar para o alto e a espantarmo-nos com a forma como redesenham o céu da cidade. Assim, transfiguram o horizonte da velha Roma. Bem vistas as coisas, transformam a própria cidade.

E era para aqui que queria trazer esta história dos estorninhos. Eles servem de metáfora ou parábola do que podemos fazer e, sobretudo, do que podemos ser. Vivemos tempos difíceis. Sabemo-lo bem. Um non sense político que nos traz extenuados e perplexos. Líderes que o não são. Um beco económico. Uma crescente insegurança perante um futuro cada vez mais incerto. De nada serve prolongar aqui este rol. Mas, então, que fazer por esta cidade que somos? Não tenho qualquer competência para a resposta cabal que esta pergunta requer. Vejo, contudo, que já não seria pouco se fizéssemos como os estorninhos: inverter caminhos; voar sincronizadamente em conjunto; elevar o horizonte e, sobretudo, apontar para o alto e redesenhar no céu a nossa cidade.