Entrevistas |
Cónego Luís Manuel: ?Advento é tempo de espera, conversão, oração e caridade?
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O tempo do Advento traz consigo o início de um novo ano litúrgico. A espera do nascimento de Jesus é tempo de olhar para dentro e mudar de vida. O que é este tempo, como vivê-lo espiritualmente e na liturgia são algumas das questões que o director do Departamento de Liturgia, cónego Luís Manuel, explicou à VOZ DA VERDADE.

Este Domingo, a Igreja inicia o Advento, tempo de preparação para o Natal. O que é este tempo litúrgico?

O Advento é um dos tempos fortes do ano litúrgico e é, como a própria palavra o indica, um tempo de espera, um tempo em que a Igreja prepara o Natal. Historicamente este tempo do Advento começou na Península Ibérica e só depois foi transferido para a Igreja Romana e oficializado para toda a Igreja. Nem sempre teve como duração estes quatro Domingos antes do Natal. Ao nível da espiritualidade e da liturgia este tempo tem dois momentos muito claros. O Primeiro Domingo até ao dia 17 de Dezembro. Aí toda a liturgia, as leituras, as orações, as meditações, mesmo na Liturgia das Horas, remetem-nos para a espera que a Igreja vive da última vinda do seu Senhor, e do seu Redentor que é Nosso Senhor Jesus Cristo. Ao mesmo tempo essa espera leva-nos a concretizá-la no nosso dia-a-dia. Por isso há palavras-chave que nos aparecem nas leituras do Advento: “Vigiai, preparai os Caminhos do Senhor, estai preparados”. São advertências e convites a que todos nós aprofundemos esta atitude de espera e de conversão interior para esse encontro de plenitude com Deus no fim dos tempos. A partir do dia 17 de Dezembro, que é a oitava antes do Natal, temos toda uma acentuação à volta da preparação próxima do Natal que está para ser celebrado. Por isso, toda essa semana é envolvida pelos acontecimentos da primeira vinda do Senhor. E portanto faz-se quase a leitura completa dos capítulos 1 e 2 dos Evangelhos de Mateus e de Lucas. São lidas as Anunciações a Maria e a José, as Genealogias de Cristo e, portanto, tudo o que esteve ligado ao nascimento de Jesus e precedeu esse nascimento.

O Advento é um tempo que ajuda a Igreja, por um lado, a consciencializar a sua postura e a sua condição existencial e, por outro lado, a prepararmos, com a conversão de vida, a oração mais intensa, a meditação e a caridade, a celebração do Natal de Cristo.

 

De que forma é que os cristãos podem viver este tempo do Advento?

Primeiro libertando-se dos mitos da nossa sociedade e do nosso tempo, aprofundando esta verdade da nossa fé: Jesus Cristo é o único redentor. Ao prepararmos a celebração do Natal devemos aprofundar isso mesmo, e confrontar a nossa vida com essa verdade. Se, de facto, Jesus é o nosso redentor, mesmo existencialmente falando, se vivemos essa realidade devemos libertar-nos desses mitos, desses messianismos, desta envolvência que por vezes é profundamente alienante, porque nos descentra das verdades mais profundas da nossa vida e da nossa fé.

Uma segunda forma, principalmente neste ano e neste tempo de crise, é o percebermos que tudo o que temos é dom de Deus, e que devemos também partilhar. Nesse sentido somos chamados, pela fé, a partilhar e a estar atentos aos que verdadeiramente precisam. Mas que isso não caia numa forma alienante de se fazer, que é escudarmo-nos atrás de campanhas, sossegando a nossa consciência por termos dado o nosso donativo. Isso não tem nada a ver com a nossa vida, não se traduz em privações concretas. Estas campanhas de solidariedade são muito boas, mas os cristãos não podem ficar só por aí! A caridade dos cristãos é mais que solidariedade. É uma caridade com rosto. Ou seja, não é por eu dar o meu contributo a uma instituição que eu estou dispensado de ter atenção ao pobre, ao solitário, ao doente, ou de dar o meu tempo, de mim próprio, para ajudar essas pessoas. Devemos ajudar as instituições, mas sem esquecer que a caridade cristã vai mais longe. Dentro da Igreja há que ter atenção aos apelos concretos da Cáritas Portuguesa ou da Cáritas Diocesana, porque é uma instituição da Igreja com um rosto e uma missão própria, e vive unicamente dos donativos dos cristãos. Por isso, no tempo de crise devemos produzir, poupar e dar.

Depois, como em todos os tempos litúrgicos não devemos descurar a oração, a celebração da fé, a nossa relação com Nosso Senhor Jesus Cristo, o Sacramento da Penitência, a oração em comunidade, a participação na Missa de Domingo… Todos esse aspectos que fazem parte da nossa identidade cristã. Porque um cristão é um homem dominical, e temos de ter a coragem de dizer que, cristão que não celebra o Domingo porque não quer, é um cristão anémico.

 

Com o Advento inicia também um novo Ano Litúrgico, e para além disso entramos num novo ciclo de leituras: o Ano A. Como é que se explica esta divisão?

Quando o Concilio Vaticano II na Constituição sobre a Sagrada Liturgia diz abertamente que sejam servidos aos cristãos os tesouros da Sagrada Escritura, designadamente em celebração, esta orientação concretizou-se no actual Leccionário. Sempre houve, na tradição da Igreja, colectâneas de leituras que eram o ciclo de leituras anual de muitas das Igrejas. Na reforma do Concílio a Igreja limitou-se a ir buscar e estudar o que se fazia em séculos anteriores, e renovou o Leccionário da Igreja Latina. Assim, antes do Concílio havia sempre duas leituras na Missa. Com a reforma passou a ter três leituras. Os anos A, B e C, têm a ver com o evangelista que marca cada ano. Em cada ano lê-se um evangelista (Marcos, Mateus e Lucas). O evangelista João é lido nos chamados tempos fortes, em todos os anos. O facto de haver três ciclos, (A, B e C) quer dizer que ao Domingo os cristãos ouvem a Palavra de Deus e só a repetem de três em três anos. Se unirmos a esta reforma do missal dominical a reforma do missal semanal, onde foram criados dois ciclos (anos ímpares e anos pares), verificamos que o povo de Deus, em contexto de celebração eucarística, ouve mais de 80% da Sagrada Escritura. Portanto, o nosso Leccionário é das riquezas maiores da reforma litúrgica, e é uma fonte de espiritualidade, de catequese e de luz para a vida dos cristãos.


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“A liturgia deve primar pela beleza que brota do mistério que ela celebra”

 

Enquanto director do Departamento de Liturgia do Patriarcado de Lisboa considera que há uma tendência para reduzir a Liturgia apenas ao aspecto exterior da celebração?

Esse é um perigo de todos os tempos. Normalmente quando não se sabe o que se celebra prende-se à forma e não ao conteúdo. Quem não sabe o mistério que está a celebrar fica-se pelo exterior. Aconteceu, um dia, no fim de uma grande celebração na Sé, presidida pelo Senhor Patriarca, que alguém cumprimentando-o dizia ter visto um “espectáculo religioso tão bonito”. Esta expressão reflecte alguém que, certamente, esteve de fora. A liturgia não é espectáculo. A liturgia deve primar pela beleza que brota do mistério que ela celebra. O Papa Bento XVI na exortação apostólica Sacramentum caritatis, quando fala da beleza da liturgia, coloca esta beleza no crucificado e no Senhor ressuscitado. A beleza da liturgia está na celebração desse mistério redentor que perpassa pela fragilidade do crucificado mas, ao mesmo tempo, já vive da glória e da vitória do túmulo vazio do Senhor glorificado na manhã de Páscoa. É este mistério cristão que incute beleza à liturgia. A liturgia vive de ritos e de preces. Vive de ritos porque o homem precisa da ritualidade. Nós não somos anjos, somos seres de mediação. Temos um corpo, faculdades, e enquanto vivermos na terra toda a nossa liturgia vai ter que ser mediada por aquilo que Jesus nos deixou. E não é por acaso que Jesus nos deixa, nos sacramentos, os elementos básicos da natureza: o pão, o vinho, a água, a luz, o azeite, etc. Portanto, a liturgia vive de uma concretude. Não para que a concretude seja o fim da liturgia, mas porque Deus usou dessas realidades simples e básicas para nos comunicar a graça da redenção que cada sacramento nos traz. Ora a beleza da liturgia brota deste mistério todo.

É claro que o canto, os paramentos, os gestos, as orações, devem ser belos. A presidência deve ser bela e bem-feita, o exercício dos ministérios ligados à liturgia devem ser feitos com a maior das belezas, mas aquela a beleza que brota de um coração, de uma vida que está a celebrar um mistério.

 

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“Há que investir na formação litúrgica das comunidades”

 

Como é que o Departamento de Liturgia tem contribuído para uma formação litúrgica na diocese?

Uma das tarefas básicas do Departamento de Liturgia é a formação de todos os agentes de liturgia, designadamente de todos os agentes laicais, que está, por isso, ao serviço de todas as comunidades cristãs.

Um dos sectores do departamento é o Sector dos Acólitos, que são aqueles que servem a Eucaristia, mas não só. Além das reuniões dos responsáveis, que estão calendarizadas, este ano teremos um Curso de Cerimoniários, destinado a acólitos mais velhos, com alguma experiência, para que eles próprios possam ser orientadores do bom decorrer das celebrações nas suas comunidades ou quando recebem a visita pastoral do senhor bispo. Nas férias de Carnaval, os acólitos têm também um encontro de formação/retiro, na Serra da Estrela.

Outro sector do departamento está ligado à música litúrgica. Temos tido a preocupação de pôr nas mãos das comunidades boa música litúrgica. Por isso, um domingo por mês, das 15h30 às 17h30, fazemos ensaios em seis pontos da diocese, para onde são convidadas todas as comunidades.

Ao nível do Departamento de Liturgia, coordenamos ainda as celebrações pontificais do Senhor Patriarca, normalmente na Catedral, mas também nalgumas dedicações de igrejas. Escolhemos os cânticos para a celebração e fazemos o guião para a assembleia.

A formação dos Ministros Extraordinários da Comunhão é outra das nossas preocupações. Damos formação todos os anos, em três pontos da diocese, para todos aqueles que são apresentados pelos seus párocos.

No dia 1 de Dezembro próximo, teremos a Jornada de Liturgia, na igreja da Portela, com o tema ‘A celebração do mistério do Natal’. Todos estão convidados: leitores, cantores, acólitos, ministros extraordinários da comunhão, equipa de acolhimento, equipas das oferendas, sacristães…

Acima de tudo, o Departamento de Liturgia é um organismo que propõe e vive do acolhimento que as comunidades cristãs fazem.

 

Do contacto que mantém com a diocese, sente que há um cuidado pela liturgia?

Sinto. Sinto que a nossa diocese fez e acompanhou a reforma do Concílio Vaticano II. As comunidades que investiram muito, são hoje comunidades onde se celebra com beleza, com alma, com espiritualidade. O grande perigo actual é pensar que sabemos tudo de liturgia. A geração mais nova não sabe ler a liturgia e isso resvala para irem buscar curiosidades para a Missa, que de facto são muito pobres para a celebração. Há que investir na formação litúrgica das comunidades e das gerações mais novas!

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