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Entrevista com Maria do Loreto, da Equipa Nacional do movimento Graal: ?Elas têm raízes e voam, elas voam e têm raízes?
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Completados os cinquenta anos do Graal em Portugal, Maria do Loreto Paiva Couceiro, professora universitária reformada, fala-nos da sua vida e da pertença ao Graal. No “Terraço”, ali na Rua Luciano Cordeiro, olhando a cidade e o mundo, entramos na originalidade desta presença de mulheres cristãs no mundo.

Quem é a Maria do Loreto e o que é, para si, pertencer ao Graal?

Quem eu sou e o ser do Graal confundem-se. Nasci numa família profundamente cristã. A minha primeira memória é a morte da minha avó. Era a matriarca e imprimiu na família uma dinâmica profundamente cristã. A casa tinha capela onde eram celebradas as festas fundamentais. Todos os dias, em crianças, íamos à capela rezar. Era um misto de hábito e de brincadeira, mas há qualquer coisa que deixa alguma raiz. Havia a tradição de, depois do jantar, irmos para a cozinha rezar o terço. Lembro algumas pessoas da aldeia quem vinham buscar ajuda e isso significava um cuidado que sempre vi na minha família. Eu acho que bebi a fé com o leite da minha mãe.

 

Mas a infância ficou marcada com vários sofrimentos…

Vivi uma vicissitude de problemas durante a minha infância [com o falecimento de vários familiares]. Vivi uma adolescência – e ainda bem que a vivi – um bocadinho rebelde. Ia à missa porque tinha que ir, mas não me interessava nada especialmente. Do ponto de vista da fé também me desinteressei muito. Eu era da pré-JEC mas depois deixei o movimento. Na aula de Moral fui convidada para vender o “Ao Largo”, o boletim da JEC feminina. Aceitei e aumentaram as vendas em todo o liceu. Era vivaça, muito líder nas coisas, espontaneamente. No ano a seguir fiquei presidente da JEC no Liceu. Organizava um retiro e iam cinquenta. Dava-me com toda a gente. Acabei o 7º ano, e ia para a Universidade. Em princípio ia para a JUC mas pediram-me para ficar vice-presidente diocesana da JEC.

 

Como conheceu o Graal?

Estava no 1º ano da Universidade, quando na paróquia de São José [Coimbra], apareceu a iniciativa de uns encontros que iam ser animados por umas senhoras de um movimento, o Graal, que tinham chegado a Coimbra e iam fazer três encontros de iniciação ao Advento. O Graal tinha-se estabelecido em Coimbra pela dificuldade de ser aceite em Lisboa. Era um movimento com características especiais para o tempo, difíceis de aceitar pelo então Cardeal-Patriarca: ser internacional, ser só de mulheres e não ter assistente.

 

Não tinha assistente?

O Graal é um movimento de mulheres mas quem impulsionou o nascimento do Graal foi um sacerdote jesuíta holandês, o padre van Ginneken. Ele era filólogo, professor universitário, muito culto e reconhecido na universidade de Nimega. Havia naqueles anos 20 do século passado uma corrente decadentista e outra mais optimista. Era a época de começar a valorizar a importância dos leigos na Igreja. É nesse contexto que, com cinco alunas, propõe uma dinâmica de mulheres em que sejam elas próprias as líderes desse dinamismo. Deveria ter uma dimensão internacional que não tem de prestar contas a ninguém senão ao bispo. Ele acreditava na capacidade de gerirem elas próprias um movimento. Em Portugal houve dois bispos que desejaram acolher o Graal: o de Portalegre e o de Coimbra.

 

E tudo começou em Coimbra…

Logo no primeiro encontro fiquei fascinada. Foi um abrir de horizontes. Sentia que eram pessoas muito consistentes na dimensão da fé e da busca espiritual, com uma grande formação teológica e bíblica. Estive nos três encontros e, entretanto, convidaram-me a ir ao centro do Graal onde havia encontros de preparação da missa de domingo, encontros culturais.

 

O que mais a impressionou?

Ficava ‘doida’ com o modo como elas falavam da Bíblia. Era um saber que vinha de muito estudo. Tocou-me a sua dimensão internacional e esta dimensão da fé muito inserida. A raiz era esta fé, o mistério pascal obviamente, mas dito explicitamente, pois é aí que está a raiz de tudo. E isto sempre muito articulado com a inserção no mundo e com as questões culturais e sociais que se colocavam. Este dinamismo espiritual era para ser posto ao serviço de uma missão que, nos anos 20, era chamada a “conversão do mundo”. Conversão do mundo que, hoje em dia não usamos como terminologia, mas que significa metanóia, mudança, nunca numa atitude de defesa. O Graal só chegou a Portugal em 1957, através da Maria de Lurdes Pintassilgo e da Teresa Santa Clara. Foi num encontro da Pax Romana que contactaram com o Graal e ficaram fascinadas.

 

Foi uma enorme novidade?

O primeiro encontro em que participei intitulava-se “Oriente-Ocidente” com uma holandesa e uma japonesa. Fiquei tocadíssima: havia uma raiz espiritual muito radical, líamos os teólogos da época, todas as semanas tínhamos um encontro bíblico, estudava uma hora de Bíblia por dia. Era a altura do Vaticano II e nós estudámos a fundo todos os documentos do Concílio. Em Coimbra o Graal era convidado a fazer a formação de inúmeras paróquias sobre os documentos do Vaticano II. Também me maravilhava a dimensão da beleza, o modo como o espaço estava organizado.

 

Já era a “cultura do cuidado”?

A nossa “cultura do cuidado” será talvez a tradução da “conversão do mundo”, hoje em dia. Cuidado que é transversal, porque tem a ver com a beleza mas tem a ver com os outros, tem a ver com quem necessita, tem a ver com os empenhamentos, tem a ver com não estar distraído do que são as questões do mundo. Tudo isso é fundamental.

 

O Graal é um movimento de mulheres…

Sim, e mulheres de todas as vocações. Não é um movimento de massas. Como posso dizer? Viver isto é a maior beleza do mundo, para mim é uma paixão, toma-me de cabeça e de coração. Isto é exigente. Perguntavam às vezes: “Mas o que é que tenho que fazer?” Eu dizia: “Nada”, e sem ter este nada havia um tudo. Obrigava a uma implicação vinda de dentro que cada uma vivia ao seu jeito próprio. Exigia ascese que acontecia por acréscimo. Há um elemento de complexidade no Graal. Não o podemos definir como um movimento espiritual, como um movimento de acção, como um movimento cultural, ou como um movimento das questões das mulheres. O Graal faz-se do cruzamento disto tudo e tudo se fecunda.

 

E agora, depois dos 50 anos em Portugal?

Tivemos o ano sabático. Tempo para pousio e para repensar. Damos forma a projectos que são o “Banco do Tempo”, o “Vamos Utopiar”, que tem a ver com o contacto com as associações de emigrantes que há em Lisboa. Foi-nos lançado um desafio, para o qual temos de procurar financiamento, pelo Instituto de Paulo Freire do Brasil. Chama-se “Para uma educação planetária” e envolve cinco países: Brasil, Argentina, Espanha, Itália e Portugal. É um projecto para três anos que pretende trabalhar a interculturalidade e a transdisciplinaridade.

 

Cinquenta anos. Vários encontros a propósito deste jubileu. Continuar a descobrir os apelos que Deus faz no mundo. Quais são as próximas linhas de acção do Graal?

Definimos numa última assembleia cinco grandes linhas. Achávamos que era fundamental ter como atitude espiritual e política inspiradora da vida pessoal e colectiva a “atenção intensiva”. Tem a ver com esse perscrutar, com o estar atento, não ficar só no que se vê no imediato. O “graal em demanda” tem a ver com o aprofundar a visão e a missão do Graal. Hoje em dia como centros do Graal há o de Lisboa e o da Golegã. Neles há muitas formas de reuniões comunitárias. Há 4 anos que reúno todas as semanas com um grupo. À outra linha chamámos “por uma interioridade que irradia”, para aprofundar a dimensão espiritual. Uma outra é “para uma presença das mulheres que faça a diferença”. Outra ainda é “do multi ao transcultural”, juntando as dimensões do diálogo inter-cultural e inter-religioso. Não é do conceptual que se passa para o existencial. Muita gente pensa com a cabeça mas depois age como sempre fez. Não é por ouvir que eu me transformo; se não há experiências existenciais onde se dá nome, não se fica com uma dimensão conceptual que transforma. E a quinta é “para um novo equilíbrio do planeta”, onde se integra a questão da erradicação da pobreza, a do cuidado de si e do mundo, e a consciência ecológica.

 

Uma palavra final…

O nosso mote para o encontro final do Jubileu, para quem o Fanhais fez a música, foi: “Elas têm raízes e voam, elas voam e têm raízes”. Muitas vezes ficamos aquém mas é apaixonante, enche uma vida e traz uma alegria daquelas em que a raiz está no coração.

 

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