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Ainda sentimos o desconforto? (pelo Pe. Alexandre Palma)

Grécia, início da década de 50. O país veste-se de festa. Há 1900 anos chegava àquelas partes o Apóstolo São Paulo.

O país e, particularmente, a Igreja Ortodoxa grega preparam-se para celebrar condignamente esse momento charneira na história da região, da Igreja e de toda a Europa. Num gesto sem grandes precedentes, a Igreja Ortodoxa convida o Papa – à época Pio XII – para visitar o país e associar-se pessoalmente às comemorações. A Santa Sé, embora reconhecendo a fraternidade evangélica que tal gesto testemunha, vê-se obrigada a declinar o convite. A resposta, em nome do Santo Padre, vem assinada pelo então Substituto da Secretaria de Estado do Vaticano: Giovanni Battista Montini.

É possível que este nome pareça a muitos um mero detalhe nesta história longínqua. E, de facto, sê-lo-ia, não fosse dar-se o caso de se tratar de quem, poucos anos depois, viria a ser de todos conhecido como Papa Paulo VI. O mesmo que poucos anos depois (logo em 1964) foi protagonista do mais emblemático gesto de aproximação entre católicos e ortodoxos dos tempos modernos: o caloroso encontro em Jerusalém entre o Papa e Atenágoras I, Patriarca de Constantinopla e, como tal, representante primeiro da Igreja Ortodoxa. Viveu como Papa o encontro que antes tivera a missão de rejeitar!

Foi num recente colóquio que tive oportunidade de ouvir um actual bispo ortodoxo evocar estes dois episódios. Neles via simbolizado o muito que foi possível fazer em poucos anos em prol da reconciliação e da unidade entre cristãos. É como se na própria biografia de Paulo VI se visse espelhado o devir deste processo: da protocolar e respeitosa distância ao afectuoso abraço de irmãos, simbolicamente reencontrados em Jerusalém.

Nesse colóquio comemoravam-se os 50 anos da criação do Secretariado com a responsabilidade de, na Igreja Católica, promover o diálogo e a unidade entre todos os cristãos. Foi ocasião não só para lançar um olhar retrospectivo e grato por quanto foi já possível fazer neste campo, mas também oportunidade para avaliar o momento presente do movimento ecuménico. Os diferentes diagnósticos, apesar de efectuados a partir de Igrejas diferentes, concordavam em dois pontos: (1) na irreversibilidade dos passos já dados; mas também (2) na percepção de que as diferentes comunidades cristãs se mostram cada vez menos sensíveis à anomalia que é os discípulos de Jesus viverem separados. Não há como ignorar que, neste meio século, o mundo mudou muito e rapidamente, trazendo desafios novos a todos os cristãos. Seria ingenuidade achar que tais transformações não se repercutiriam sobre a questão ecuménica. Hoje a crescente necessidade de dar respostas a questões internas parece impelir as diferentes Igrejas cristãs a secundarizar esse que, como todos reconhecem, é um mandato maior do próprio Senhor Jesus: «Que todos sejam um!» (cf. Jo 17, 21-22).

Gostaria de evitar aquele tipo de leitura simplista que, com frequência, mais agrava os problemas que propriamente os resolve. Mas pergunto-me: ainda sentimos o desconforto de, como cristãos, não vivermos em plena comunhão com outros que o são também? E ainda: será que os desafios que internamente as diferentes confissões cristãs enfrentam têm na abertura ecuménica uma contrariedade ou antes um contributo válido para autênticas soluções?