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Atenção aos sinais dos tempos (por Guilherme d?Oliveira Martins)

O “aggiornamento” conciliar só pode ser percebido, em todas as suas consequências e potencialidades, a partir dos “sinais dos tempos”. D. José da Cruz Policarpo, em “Sinais dos Tempos – Génese Histórica e Interpretação Teológica” (1971) compreendeu-o muito bem.

Perante um mundo que se transformava aceleradamente, importaria dar atenção às linhas de mudança. A Segunda Grande Guerra revelou-se o mais mortífero e bárbaro dos conflitos. A reconstrução, depois dos efeitos devastadores desse acontecimento, alterou a concepção do Estado moderno, mais interventivo mesmo nas sociedades abertas. A ciência e a tecnologia tiveram desenvolvimentos inauditos. A “guerra fria” estabeleceu um equilíbrio de terror a que se sucedeu um sistema de polaridades difusas, com novas e perigosas ameaças. A chegada do homem à Lua permitiu avanços muito significativos nas novas tecnologias, mas, em contrapartida, os apelos de João XXIII na Encíclica “Pacem in Terris” não foram ouvidos e as Nações Unidas mantêm-se desprovidas dos instrumentos preconizados nesse documento fundamental. Por outro lado, a Encíclica “Populorum Progressio” exigiu esforços efectivos em prol do desenvolvimento económico e social dos povos – porque o desenvolvimento é o novo nome da Paz. Mas, mais de quatro décadas passadas, verificamos que as desigualdades no mundo se agravaram profundamente a níveis antes impensáveis. Em vez de avançarmos recuámos e o Continente africano é exemplo de como a concretização dos modelos de desenvolvimento esqueceu as preocupações e o sentido profético desses documentos fundamentais, onde o apelo à compreensão dos “sinais dos tempos” é pedra angular. A posição da Igreja passou de uma atitude “negativa e pessimista do tempo e da história” para uma “perspectiva de esperança em que o tempo nos aparece como um tesouro, como lhe chamava Paulo VI” – no entanto, a actualidade exige-nos que essa visão e esse método se tornem mais actuantes e efectivos. Daí que no longo prazo o tema por excelência de D. José se revele como absolutamente fundamental como apelo exigente à acção contra a tentação fatalista de considerar as injustiças como inexoráveis e inelutáveis.

Ao colocar a questão dos “sinais dos tempos” no centro da sua reflexão, o actual Patriarca de Lisboa dá especial importância ao Concílio Vaticano II, como acontecimento central da história contemporânea da Igreja Católica. A partir dessa leitura dos acontecimentos e colocando a sociologia e a análise social em relação com uma leitura profética da realidade que nos cerca – uma vez que “a intuição profética brota da luz da fé, da exigência criativa do amor e não da frieza dos dados estatísticos” – D. José entende que a leitura dos “sinais dos tempos” não se confunde com uma análise sociológica da realidade. Há um sentido profético que não pode ser esquecido.

Na análise dos “sinais dos tempos”, o Concílio surge como marca de um esforço magnífico para adaptar a Igreja às exigências da sua presença no mundo contemporâneo. O anúncio do Concílio suscita a esperança de uma abertura da Igreja ao mundo e às vozes do tempo. E deseja-se que possa ter a coragem de ser realista, partindo dos factos – “a Igreja entrou em Concílio, porque houve um Papa que acreditava na acção de Cristo no seio da história e que, querendo reconhecer sempre e em tudo a vontade e os desígnios de Deus, se pôs a procurar sinais desses desígnios e dessa vontade, nos dinamismos do tempo”. Deste modo, João XXIII leu nos acontecimentos que era a altura de reunir um Concílio, que pudesse corresponder a uma leitura profética do tempo.

Há assim um “optimismo profético”, no qual se verifica uma tensão fecunda entre os valores do progresso técnico-científico, que nem sempre contribuem para a realização humana, e as esperanças em ordem à Salvação, que exigem a preparação evangélica. “A antropologia toma assim um lugar de relevo na interpretação salvífica dos valores da história. O reconhecimento dos valores do mundo e da sua significação salvífica é acompanhado da afirmação lúcida dos riscos que alguns deles encerram”. Assim, os sinais dos tempos ligam a antropologia e a teologia, a humanidade e o dom da Graça, a História e a Profecia. E cabe a cada um de nós perceber como o acontecimento pode ser o nosso mestre interior.