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A difícil esperança, por Hermínio Rico s.j.
Custa-me escrever sobre a actualidade. Por um lado, não posso deixar de considerar a presente situação económico-financeira, e as perspectivas que ela nos abre (ou fecha?) para os próximos tempos, como assunto de singular gravidade. A razão está nas consequências dramáticas para a vida de tantas pessoas que inevitavelmente vai trazer e no enorme esforço que o salvamento do nosso futuro colectivo vai exigir. Por outro lado, queria ser capaz de apontar sinais de esperança e de fomentar sentimentos e acções de esperança. E isso é difícil.

Sinto-me entalado entre uma certa repugnância por estar sempre a repetir más notícias e a aversão ainda maior a evitar encarar de frente, reflectir e opinar sobre o que é mais importante e urgente. Nem a fuga para outros assuntos, evitando o cansaço de cronista e de leitores, nem o recurso a um optimismo fácil, mas com bases pouco seguras, sobre a nossa situação e as nossas capacidades me descansariam.

Tenho que continuar a bater no mesmo. Porque estou preocupado. E estou mais preocupado ainda porque não sinto que, de uma forma geral, a preocupação que noto à minha volta esteja perto de ser a preocupação que era necessário experimentar. Sobretudo, não sinto que já se tenha tornado claro para a maioria que vão ser precisos sacrifícios colectivos concertados. Ainda vejo muito a crença que, de uma maneira ou outra, lá conseguiremos escapar sem termos que fazer grande coisa. E vejo já o individualismo dos estratagemas, em que cada um olha para as suas estratégias de sobrevivência e procura minimizar os seus custos, sem se importar muito com o impacto disso na soma global das coisas e no longo prazo. E não vejo preocupação com o todo, não vejo o entendimento que a promoção do bem comum é a melhor base para garantir sustentadamente todos os bens particulares. Ainda vejo demasiada atracção por panaceias e pouco empenho em verdadeiras soluções: transformações de fundo que criem estruturas justas, capazes de sustentar um crescimento capaz de distribuir mais bem-estar para todos.

Não gosto nada de me ver empurrado para o clube das cassandras. Mas não sou capaz de silenciar a inquietação. Sinto-me a cumprir o meu dever ao continuar a lançar alertas. Mas acho que também faz parte do meu dever, e mais ainda como cristão e escrevendo num jornal da Igreja, abrir caminhos de esperança, trazer alento e ânimo. Entre o derrotismo pessimista e a alienação de passar ao lado ou colorir tudo de um optimismo vazio, há o caminho construtivo que, sim, parte da verdade encarada com coragem, mas constrói a esperança, esperança assente na capacidade de arrostar contra a adversidade e na convicção de que, mais uma vez, seremos capazes de ultrapassar predições deterministas se nos superarmos em energia e criatividade, cooperação e audácia. O caminho é feito de verdade e esperança.

A verdade é o que as coisas são, sem as mascarar ou esconder, sem mentir ou desviar atenções. Exige exactidão na análise e competência na explicação. A verdade cuida-se no reino da habilitação técnica e do rigor científico. E a esperança? Essa não nasce nem se sustenta do que temos ou do que fazemos. As suas sementes e raízes chegam mais fundo. A esperança assenta naquilo que somos, na nossa identidade, constituída por uma história com saber de experiência feito, apoiada em valores sólidos e ideais íntegros, expressada em desígnios que tornam dificuldades em desafios. Um povo a passar por dificuldades verdadeiras no ter e no fazer alimenta a sua esperança no ser, na sua identidade – se a mantiver viva. A força desta esperança não se mede em indicadores ou balanços de activos, mas é muito mais poderosa do que todos os condicionamentos económico-financeiros.

Para a análise técnica da verdade em que estamos contámos com ajuda externa. A mobilização anímica da nossa esperança, só nós a poderemos realizar, porque para isso é indispensável saber e experimentar quem somos.