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Sementes na Primavera, por Isabel Vasco Costa
Para cada estação sua particularidade. Na primavera as plantas mostram novos rebentos, surgem folhas viçosas que parecem dar novo alento aos caules que crescem e se multiplicam e têm forças para se desdobrarem em luxos de cores nas suas flores que guardam em si o poder de novas vidas semelhantes. Ali estão as sementes. Parecem feias, inúteis, inertes… e guardam o tesouro de um incontável número de gerações de futuras plantas da sua própria espécie. Como é isso possível?

A vida prossegue de modos diferentes, mas obedecendo sempre à lei da sua natureza. Há sementes leves e pequenas guarnecidas de pêlos ou asas que esperam pelo sopro do vento que as separará da planta mãe e as arrastará para longe. Têm direito a viver e prosperar, mas não querem perturbar ou incomodar as vizinhas. Há sementes minúsculas que aceitam a boleia de insectos para voar para outras paragens. Outras sementes são projectadas como balas pela flor que as suporta. Outras ainda são envolvidas por uma polpa colorida e saborosa, fazendo parte de bagas que podem servir de alimento às aves ou mamíferos. Há frutos que caem das árvores e apodrecem a seus pés, permitindo que a semente neles escondida vá amolecendo e germine na humidade dos seus sucos.

Estas separações, estas doenças e mortes constituem o ciclo da vida. Cada ser vivo tem uma missão a cumprir, uns necessariamente, outros no uso da sua liberdade. E agem bem aqueles que cumprem a sua missão, mas tem mais valor a missão cumprida por vontade própria do que a cumprida por simples inclinação. As obras são admiráveis pela sua grandeza, perfeição ou beleza, mas também por transmitirem o valor de quem as fez.

A Primavera é uma época de alegrias e tristezas, de nascimentos e mortes. Mortes de dádiva. Mortes fecundas. Mortes por dar novas vidas. Há flores nos ramos espalhando o seu perfume. Mas também há frutos apodrecendo no solo juntamente com pétalas fedorentas que repelem os sentidos mas adubam a terra mãe que novamente se entrega generosa.

Estarão os homens em risco de perder a sua Primavera? Estão os pais dispostos a preparar os seus filhos para os lançar generosamente pelo mundo? Estão as mães dispostas a deixar-se sacrificar para oferecer mais vidas ao mundo? Estão os casais a preparar-se para seguirem fielmente, voluntariamente, livremente a missão de continuar a dar vida? Ou preferimos acabar com a Primavera?

Cremos, pelo contrário, que novas Primaveras estão a surgir. Um dos seus sinais manifestou-se na entrevista que o professor Marcelo Rebelo de Sousa fez ao jornalista João Paulo Sacadura, viúvo há seis anos e pai de dois gémeos. Pai e filhos mantêm a Primavera do primeiro amor para a qual contribuem as duas famílias e amigos do casal. Sim! A Primavera pode continuar viçosa para além da morte.