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Justiça e vingança (por Pedro Vaz Patto)
Muitos americanos festejaram nas ruas a morte do seu “inimigo público número um”, Bin Laden. Para vários comentadores, o sucesso que essa morte representou para o Presidente Obama fez crescer a sua popularidade mais do que qualquer outro sucesso (mais do que o prémio Nobel da Paz) e poderá ter garantido a sua reeleição. De júbilo e de alívio foram também as reacções de políticos e da opinião pública de outros países, pois Bin Laden também se tornara o “inimigo público número um” da Humanidade.

Alertou, porém, o Pe. Lombardi, porta-voz da Santa Sé: «Diante da morte, o cristão não se alegra, mas reflecte sobre as graves responsabilidades de cada um diante de Deus e diante dos homens».

É bem provável que esta morte não ponha termo ao terrorismo de invocação islâmica (as sua raízes sociológicas e ideológicas vão bem para além de um qualquer líder). Mas – ouviu-se dizer várias vezes – «foi feita justiça»; foi dado um sinal de que o terrorismo não leva a melhor sobre os valores da democracia e da liberdade; estamos perante uma importante vitória simbólica. A questão que não pode deixar de colocar-se é a de saber se foi esta a forma mais coerente de dar esse sinal e se outro não deveria ser o símbolo dessa vitória.

Não são claras as circunstâncias que rodearam a morte de Bin Laden. A morte de um perigoso terrorista pode ocorrer de forma não premeditada, ser fruto de acidente, precipitação ou de legítima defesa no âmbito de um tiroteio recíproco. Houve quem dissesse que, fosse como fosse, estava em jogo uma “legítima defesa nacional”. Não será, porém, assim, se, ao que tudo indica e como terá sido reconhecido pelas autoridades norte-americanas, o alvo não estava sequer armado e nada impediria a sua captura. O mais provável é que se tenha tratado de uma execução sumária, uma forma expedita de “fazer justiça”.

O mais execrável dos terroristas, responsável pelo sacrifício de tantas vítimas inocentes, não suscita grande compaixão. Não será um prurido formalista a exigência, também neste caso, de um julgamento imparcial? Não se justificaria, de qualquer forma e ao menos neste caso, a pena de morte?

O pior dos criminosos não perde a sua dignidade de pessoa e filho de Deus (mesmo que O tenha invocado da forma mais blasfema, como instrumento de ódio). Mas não é tanto a pessoa de Bin Laden que foi ferida com esta execução. Quando não se traça claramente a fronteira entre a justiça e a vingança (a lei do talião: «olho por olho, dente por dente»), quando se cede, por pouco que seja, nos princípios, é a afirmação da superioridade moral do Estado de Direito sobre os seus inimigos que é posta em cheque. Essa superioridade afirma-se também através dos meios que se usam, e não apenas através dos fins.

Não colhe o argumento de que a execução de Bin Laden deveria ser exemplarmente severa para intimidar os terroristas, para que estes saibam o que os espera: quem está pronto ao suicídio em prol de uma causa não se dissuade desta forma.

Mais do que intimidar potenciais terroristas, importa afirmar os valores que o terrorismo põe em causa (o primeiro dos quais é o da vida humana). O julgamento de Bin Laden (que até excluísse a pena de morte) permitiria afirmar a superioridade moral do Estado de Direito sobre o terrorismo, marcaria de outra forma a diferença de valores de um e de outro. Permitiria denunciar solenemente os crimes de Bin Laden e não faria deste um “mártir” para outros terroristas, também eles sedentos de vingança e prontos a retaliar. Teria outro efeito pedagógico, mesmo que não levasse a abrir garrafas de champanhe na Quinta Avenida de Nova Iorque.

 

Pedro Vaz Patto