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Oração em família (por Nuno Cardoso Dias)
A família que ora unida permanece unida,
e se permanece unida amar-se-ão uns aos outros
como Deus os amou a cada um deles.
E as obras do amor são sempre obras de paz.

Madre Teresa de Calcutá

 

Quando olho para trás percebo que passaram 20 anos. Os meus avós deitavam-se com o rádio ligado, à hora do terço. Às vezes eu ficava com eles, outra não. Mas a sua presença sentia-se, o seu ritmo, a marcação do dia. Às vezes eu ficava. Não era a minha forma de fazer oração, era a deles. Eu preferia outras: mais silêncio, mais palavra, menos repetição. Mas às vezes ficava, para estar com eles, daquela forma tão íntima, tão próxima, que é orar no mesmo Espírito.

Entretanto descobri muitas outras maneiras de orar. O silêncio, a maravilha do silêncio. O silêncio que tanta falta nos faz, que é uma atitude interior, de contemplação, muito além, muito diferente da ausência de barulho. Os cânticos meditativos. Na minha experiência, os cânticos de Taizé tiveram – têm – um papel especial, na sua cadência, repetida. E a Palavra, o alimento da oração. Aos poucos foram-se revelando todas estas coisas para mais tarde as reencontrar no terço: a contemplação, a repetição, a Palavra. E o silêncio? Sim, também o silêncio, para lá das palavras que se repetem, também o silêncio.

Orar com crianças, sobretudo quando são muito novas – e por vezes irrequietas – pode ser desafiante. O que é que elas percebem? É justo pedir-lhes que respeitem esse momentos? Devem participar? Como fazer oração com as crianças?

 No mês de Maio, com a nossa catequese do primeiro ano, explicamos o que era uma dezena, preparamos uma com eles, feita com massas de cozinha e uma cruz em feltro. Explicámos que nem isso é preciso, que os dedos das mãos chegam perfeitamente. E orámos com eles, em duas ocasiões, uma dezena. Explicámos que a oração repetida nos pode ajudar a mergulhar na oração, a sintonizar. Um deles levanta o braço: “é como se a dezena fosse o aquecimento para a oração”. Pois é, é isso mesmo: vimos ensinar, saímos ensinados. Tanto para o entendimento: se por não percebermos tudo não valesse a pena começar, nunca ninguém tinha começado.

Quanto ao respeito, parece-me óbvio. Qual de nós hesitaria em pedir-lhes silêncio para ouvir um programa de interesse na televisão? Se a participação na oração lá em casa não é obrigatória – na oração participa quem quer – há que respeitar o que os outros estão a fazer e aceitar que da mesma forma que as suas actividades condicionam o tempo de toda a família também os pais têm o mesmo direito de condicionar o tempo da família para se dedicarem às actividades que consideram importantes. Não quer dizer que se exija em qualquer idade silêncio absoluto, mas, pelo menos, uma actividade que não perturbe.

A participação acontece, com naturalidade, sem ser necessário impor nada. Podemos explicar o que estamos a fazer. Muitas vezes a minha meditação da palavra é segredar a algum dos meus filhos, em linguagem mais acessível, o que aconteceu no episódio que acabámos de ler.

Fica a questão do como. Mas essa é a mais fácil, porque há muitas maneiras de fazer oração e podemos encontrar as que melhor se nos adequam e variar, de vez em quando.

Uma das maneiras mais simples de orar em família é agradecer a refeição. Quando fazemos isso, por exemplo ao jantar, podemos agradecer algo mais do que a refeição, talvez algo que se passou no nosso dia, talvez o facto de estarmos juntos. Agradecermos os nossos filhos, a nossa mulher, ou marido, os nossos pais, na presença deles, é um bom hábito: quantas vezes não precisamos de ouvir o que ao outro parecia demasiado óbvio para ser dito?

Também a altura de deitar é um bom momento para fazer uma pequena oração e talvez o exame do dia, lembrando o que pode melhorar, certamente, mas também o que correu bem e, também aqui, agradecendo. A acção de graças é, na infância, uma das orações mais intuitivas e, em qualquer idade, uma das mais necessárias.

Outra forma de fazer oração é usar um ou dois cânticos que nos ajudem a preparar-nos, uma leitura, alguns minutos de silêncio, uma oração partilhada, que poderá terminar com o Pai Nosso.

E depois, claro há a possibilidade de participar em orações comunitárias, procurando estratégias para que os mais pequenos possam estar bem sem incomodar – lápis de cor e papel nunca falha – mas também lembrando que a presença das crianças na Igreja não é tolerada, mas acolhida com carinho.

Finalmente, é preciso ter noção que não seremos nós a colher do que agora semearmos. Vinte anos. O tempo que foi preciso para que começasse a ganhar raiz, a ganhar sentido o terço. Os meus avós entregues nas Suas mãos, e aquela estrutura, aquele ritmo, a fazer memória deles, a dar-nos um espaço de intimidade no mesmo Espírito.