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O local do crime (por Isabel Vasco Costa)

Foi logo no primeiro dia na Terra Santa que o “escândalo” se deu.

Já na véspera, durante a viagem, na escala feita em Bruxelas, o sacerdote que acompanhou a peregrinação tinha confidenciado que aceitara o convite com muito sofrimento. Naquele momento, durante a Santa Missa que estava a celebrar no Monte Carmelo, explicou melhor o que o atormentava.

Começou o seu desabafo com uma história ocorrida talvez trinta anos antes. Conversava ele com um adolescente de 15 anos que já cumpria com o preceito dominical e procurava incutir-lhe o hábito da leitura diária dos Evangelhos. O rapaz rebelava-se, pois só lhe interessavam os livros policiais de crime e mistério. “É disso mesmo que se trata”, respondeu-lhe o sacerdote, “com a diferença de que, nesses romances, fica-se a conhecer quem é o criminoso, mas nos Evangelhos não. Será Pilatos, Caifás, Herodes, os romanos, os judeus, os chefes dos sacerdotes?”  O jovem não conseguia responder e estava curioso por conhecer o assassino. “Eu sei quem foi. Queres saber? Fui eu. Não fui eu sozinho, mas fui eu!”

Após um breve silêncio, o celebrante voltou a dirigir-se aos peregrinos:

- “Agora entendeis porque venho com o coração a sangrar: o assassino volta sempre ao local do crime.”

Todas as pessoas que formavam o grupo sentiram-se cúmplices daquele acto hediondo, não explicitamente, mas no mais íntimo do seu ser: nas suas consciências. A partir daquele momento, ficou bem definido o objectivo da jornada: tratava-se de uma peregrinação, não de uma viagem turística ou cultural. Até mesmo os elementos não praticantes do grupo começaram a participar de um modo muito mais profundo nos momentos de oração conjunta e, nas tertúlias depois do jantar, animavam-se a fazer perguntas ao sacerdote e a contar algumas curiosidades relacionadas com episódios do dia ou experiências passadas.

Finalmente, já em Jerusalém, o “Mistério” ia-se desvendando. Rejuvenescia a Fé, surgia uma vontade firme de compromisso, novo ou mais generoso, com Cristo. Não aconteceram “milagres”. Nada se passou de extraordinário. Ninguém sentiu medo. Pelo contrário; o seu desejo era tornarem-se mais amigos daquele a quem tinham morto. Mais uma vez, ali, no local do crime, iam surgir vidas novas.