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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
A birra de Santa Escolástica

É verdade que é muito feio fazer birras. Mas Santa Escolástica, a irmã de São Bento, fez uma e, o que é pior, conseguiu o que queria, com a conivência de Deus.

Escolástica fora visitar o seu irmão a um lugar próximo do convento deste e, ao cair da tarde, pediu-lhe que com ela permanecesse mais umas horas, em amena cavaqueira mística. Não o quis Bento, porque entendia que era já hora de regressar ao seu convento, onde deveria pernoitar, segundo exigência da sua regra. Mas Escolástica, que, como boa filha de Eva, entendia que é sempre escasso o tempo para a conversa, não se ficou pela negativa do irmão, ao qual respondeu com um monumental amuo, talvez não muito diferente dos que tivera – permita-se-nos supor – quando era pequena. Mas agora, não só já não era nenhuma criança como era também santa e os amuos dos santos são coisa séria: com efeito, tanto pediu a Deus que não deixasse partir o seu irmão que o Criador teve que alterar os seus planos meteorológicos imediatos, fazendo cair no local em que se encontravam uma tão violenta tempestade que o pobre Bento, cujas capacidades anfíbias eram certamente muito reduzidas, viu-se compelido a permanecer, contrafeito, em espiritual colóquio com a sua intempestiva irmã, feliz esta por ter podido alcançar, com cumplicidade de raios e coriscos, o que tão porfiadamente desejara e pedira a Deus.

Santa Escolástica não consta na singular hagiografia que Thomas J. Craughwell deu à estampa, nos Estados Unidos da América, há já quase três anos mas que ainda não conhece, que eu saiba, tradução portuguesa. Singular, porque, como o título expressamente refere – Saints behaving badly – o hagiógrafo se propôs compilar umas quantas vidas de santos mal-comportados… Por certo, o nosso país conta com uma honrosa representação, nas pessoas de Frei Gil de Santarém e de São João de Deus. Mas Santa Escolástica não foi tida nem achada nesta antologia que, portanto, não é exaustiva… Haja esperança!

Eles, os pessimistas, e nós, os optimistas, estamos todos de acordo em relação a uma muito particular característica destes tempos modernos: a extraordinária abundância de pessoas mal-comportadas. Mas divergimos quanto ao modo de encarar uma tal fatalidade: enquanto os primeiros consideram que esse dado reflecte uma irremediável desgraça, nós, os cristãos, sabemos que essa aparentemente aziaga circunstância é prenúncio de uma maravilhosa esperança porque, como diz São Paulo, onde abunda o pecado, sobreabunda a graça. Valha-nos, pois, Santa Escolástica!