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A crise dos cépticos (pelo Pe. Alexandre Palma)

Que modo humano de ser se mostrará mais apto a (sobre)viver na selva em que, não poucas vezes, se transforma a sociedade que somos?

Numa situação normal e simplificando bastante, dir-se-ia que personalidades que conservam viva uma certa atitude crítica, ocasionalmente mesmo céptica, estariam mais aptas a precaver-se e a enfrentar as partidas que a vida por vezes nos reserva. Ao invés, dir-se-ia que personalidades mais crédulas e dadas estariam, em princípio, mais expostas a sofrer com esses reveses. De um lado estaria o pragmatismo frio e racional, mais adaptado ao nosso habitat social moderno, do outro uma certa ingenuidade, mais dada a deixar-se conduzir pelos afectos ou pela intuição.

Contudo, não vivemos tempos normais. Bem pelo contrário. Talvez este pequeno grande detalhe nos obrigue a reconsiderar esta versão soft de um certo «darwinismo social». Foi ao voltar a ouvir, recentemente, um destes cépticos e impressionado com o modo como ele expunha a sua descrença vaidosa e generalizada que me veio ao pensamento a pergunta bizarra com que se inicia este texto. É que se em tempos de euforia um certo espírito crítico moderará os excessos de um optimismo desmedido, em tempos de crise o puro cepticismo parece pouco mais ter a oferecer que «des-esperança», «des-confiança», «des-crença». Muito do que de «des-animo» por aí circula radicará aqui: já não numa dificuldade em acreditar em determinadas realidades – como em Deus –, mas numa dificuldade em acreditar na própria vida, num nada mais esperar da vida. Não será isto um beco sem saída? E, portanto, um modo de ser que alimenta a própria atmosfera de crise que nos vai sufocando?

Para romper a espiral da crise em que nos achamos talvez precisemos da ousadia e criatividade próprias de um modo crente de ser. Crente, quanto mais não seja, na própria vida. Precisaremos, por certo, de um pouco da desmesura de gestos mais própria de entusiasmados que de desconfiados. Destes parece só ser possível esperar uma vida de mínimos, sempre ensombrada pelo medo de errar. Nos primeiros sim, mais facilmente poderemos encontrar gente que arrisca uma vida de máximos, mesmo quando não há a certeza de a ela chegar. Precisaremos, no fundo, de gente que para usar a razão não tenha de anular o coração. Se assim de facto for, então em habitat de crise fica mais evidente a crise do próprio cepticismo. Será de outros modos humanos de ser que deveremos esperar os caminhos novos de que o nosso presente se mostra carente. Não sei exactamente quais serão. Parece-me, contudo, que esses terão de vir de quem ainda espera e acredita na vida. E no que mais houver, claro está.