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Para uma gramática do testemunho cristão (pelo Pe. Alexandre Palma)
Passar a escrito ideias vagas, reflexões inacabadas ou meras intuições supõe uma boa dose de ousadia. Dá-las a publicar será exasperar esta ousadia, transformando-a em puro atrevimento.

De facto, aconselha a folha de papel que as ideias que nela se inscrevam sejam já fruto de uma reflexão amadurecida. Mas como testar essas mesmas ideias sem lhes dar uma forma concreta e comunicável? Como perceber o que verdadeiramente se pensa se o não pusermos por palavras? E como aferir o seu real valor, sem nos expormos ao parecer de terceiros? Já percebeu, o caro leitor, que o que nestas linhas se tentará propor é fruto de uma reflexão a meio da sua viagem, quando não mesmo no início. Elas não pretendem, porém, ser um exercício individual, mas um tomar parte na busca comum de formas concretas de anunciar o Evangelho de Cristo.

Em tempos de «Nova Evangelização», o tema do «testemunho cristão» vai tomando lugar central na reflexão teológica e pastoral da Igreja. Esse testemunho tem a extensão do próprio Evangelho. Ele não é redutível a este ou aquele aspecto do nosso viver, mas toca tudo aquilo que somos e vivemos. E nós somos seres da palavra e vivemos usando a palavra. A linguagem é-nos congénita a nós, enquanto seres de comunicação. A linguagem é congénita à própria experiência cristã, toda assente na história de um Deus que nos fala por meio da Sua Palavra, Jesus Cristo. O desafio da «Nova Evangelização» não pode, portanto, passar à margem de um «testemunho» que se faça palavra em palavras nossas. Mas que palavra é esta? Que forma deverá ela assumir? Como que construindo uma gramática teológica do «testemunho cristão», poder-se-ia dizer que a nossa palavra evangelizadora é:

1) Verbo: tal como o verbo introduz a acção na frase, assim também o «testemunho cristão» é verbalização do agir de Deus na história. É uma palavra eminentemente narrativa, testemunhal, existencial. Ela conjuga-se no singular e no plural. Oscila entre a primeira, segunda e terceira pessoas. Reporta-se a tempos diversos e segue modos distintos. Fala da vida, uma vida na qual Deus é companheiro. É, então, uma palavra que procura despertar no próximo aquele olhar que permite reconhecer o Senhor da vida na vida a acontecer;

2) Substantivo: a proposta cristã é também substantiva. Ela é alimentada e sustentada a partir de um revelar-se de Deus que nos revela a nós próprios. Na humilde consciência dos seus limites, a fé cristã propõe-nos uma certa visão de Deus, aponta-nos um determinado modo de viver. Há, então, uma consistência de conteúdos no testemunho cristão que está para lá do que se pode dizer apenas com o verbo. Nesta gramática precisamos também do substantivo;

3) Silêncio: por fim, a palavra do testemunho cristão é também silêncio. Silêncio, porque há muito que não sabemos. Silêncio, porque a palavra evangelizadora tem de ser porosa e fazer-se escuta. Não é, pois, um silêncio de ausência ou alienação. É apenas a justa homenagem ao mistério de Deus que tratamos e ao mistério do outro a quem nos dirigimos.

Como uma valsa, esta gramática do testemunho cristão segue um compasso ternário. Porventura dever-se-ia dizer trinitário, pois na declinação desta tríplice forma da palavra encontramos uma sugestiva evocação da Trindade divina. O Espírito Santo na palavra viva e dinâmica, que na gramática é o verbo. O Filho feito carne é o substantivo da História da Salvação. E o Pai é aquele diante do qual todas as palavras emudecem e se fazem silêncio.