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Pe. Alexandre Palma
A religião, a violência e a paz

É a religião uma via para a paz ou um factor de violência? Estranha questão. Pelo menos assim a acharão a maioria dos crentes. Para estes será claro que a religião é uma via para a paz. Ao invés, para o chamado «neo-ateísmo» a religião é promotora de violência nas e entre as sociedades. Com efeito, esta recente revitalização da militância ateia não se limita a contestar a validade das afirmações de fé, mas defende que a experiência religiosa é, em si mesma e não por um qualquer desvio, nociva ao Homem e à sociedade. Por isso a combatem. Paradigmáticas disto mesmo são as palavras de B. Russell – um dos pais desta corrente –, para quem «todas as grandes religiões do mundo são falsas e danosas» (cf. B. Russell, Why I Am Not a Christian, 1957). E se algumas religiões moderam hoje as suas «fontes de intolerância» isso, no seu entender, fica-se a dever não a uma purificação da sua experiência crente, mas exclusivamente ao iluminado contributo de «livres pensadores».

Quando, porém, representantes das mais variadas comunidades e experiências religiosas se unem e reúnem em prol da paz – não apesar de serem crentes, mas precisamente porque são crentes – percebe-se algum do simplismo deste modo de associar a violência à religião. Ao vermos, como no passado dia 27 na bela cidade de Assis, líderes religiosos juntarem-se para, a uma só voz, reafirmarem não apenas que a violência contraria a «verdadeira natureza da religião», mas darem disso um sinal efectivo, percebemos como, em princípio, há na experiência religiosa uma imensa força de paz.

Tal não significa negar o óbvio: que as religiões, no passado como no presente, foram e podem tornar-se causas de violência. O Papa, uma vez mais, reconheceu-o com meridiana clareza: «Como cristão, quero dizer: sim, na história também em nome da fé cristã se recorreu à violência. Reconhecemo-lo cheios de vergonha». Mas se é verdade que por motivos religiosos se recorreu à violência, não é menos verdade que por causa da fé a humanidade deu alguns dos seus passos mais sólidos no caminho da paz. Alguém ousará dizer que o pacifismo de um Gandhi nada tem que ver com o homem religioso que era? Ou que a «paz e bem» de Francisco de Assis, esse que em tudo procurava ser um «instrumento de paz», nada tem que ver com o seu encontro com Cristo? Por acaso seria ele um «livre pensador» avant la lettre? A história das religiões não se faz, portanto, somente de páginas de violência. Faz-se também do mais sério e consequente empenho pela paz. Negar a primeira, seria cegueira. Não reconhecer a segunda, seria desonestidade intelectual.