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Pe. Alexandre Palma
Jardim de Inverno

Não será de todo irrelevante que a primeira coisa que Deus nos pergunte seja: «Onde estás?» (Gn 3, 9). Na verdade, peregrinos no tempo, nós existimos sempre num determinado espaço. Por mais que vivamos num mundo crescentemente global, somos e vivemos sempre num certo local.

Também a nossa experiência cristã pode ser descrita por um mapa onde se registam os locais do encontro com Deus e se traçam os percursos da Sua passagem. O nosso seguimento de Jesus não se deixa descrever apenas pelos momentos desse encontro (quando?), mas pede ainda que se apontem os seus lugares (onde?). Há, de facto, um quê de topografia do sagrado a que o cristianismo não poderá renunciar. A Sagrada Escritura regista, ela própria, um número assinalável de lugares onde, por excelência, se dá essa epifania de Deus. Um desses lugares é o jardim. Talvez nem sempre disso tenhamos a devida consciência, mas há entre a experiência cristã e o espaço do jardim uma íntima relação: do jardim original do Éden (Gn 2-3), ao jardim minimal das Oliveiras (Jo 18, 1); do jardim perfumado do Cântico dos Cânticos (Cant 4, 16), ao jardim de pasto verdejante cantado pelo salmista (Sl 23); do jardim silencioso onde Jesus foi sepultado, ao mesmo jardim onde Ele próprio, uma vez ressuscitado, aparece como «jardineiro» (Jo 19, 40–20, 16). Há ainda jardins em tantas conversões pessoais, como a de S. Agostinho (Confissões VIII), e em tantas empresas comunitárias, como nos mosteiros, casas construídas à volta de um claustro/jardim. Como uma metáfora aberta, o jardim surge pois como um desses lugares em que Deus ama encontrar-se com a humanidade. Ele representa simbolicamente uma «feliz harmonia entre céu e terra, entre graça e esforço, entre natureza e cultura» (cf. E. Salmann).

Não sei bem se o jardim surge como lugar do sagrado porque a Deus agrade deambular por estes espaços aprazíveis, ou se porque Deus transforme em jardins os lugares por onde passa. Todavia, parece-me que na metáfora do jardim o cristianismo encontra não apenas um traço da sua identidade, mas também uma perspectiva para a sua missão: ser no mundo o que um jardim é numa cidade. Um espaço tranquilo no meio do bulício. Um lugar onde o cinzento da envolvência não abafa a cor da vida. Um local onde o ar corre fresco. Um lugar onde, apesar dos pesos da vida, se experimenta aquela «carga leve» e aquele «jugo suave» de que falava Jesus (Mt 11, 30). O Evangelho aparecerá então como aquele jardim em que sempre podemos passear, mesmo quando o Inverno é severo.