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P. Duarte da Cunha
O “Novo Ateísmo” em discussão

O diálogo ecuménico na Europa tem muitas vertentes e dedica-se a vários temas, procurando, por um lado o que une todos os cristãos, e por outro tentando perceber o que pode e deve ser feito em vista de uma unidade real e visível. É tendo isto presente que os responsáveis do Conselho das Conferências Episcopais da Europa (CCEE) e da Conferência das Igrejas Cristãs da Europa (CEC) se reúnem uma vez por ano. Entre as várias questões abordadas este ano teve especial relevo a intervenção do prof. Alistair McGrath da Igreja de Inglaterra, e que explicou o tema do Novo Ateísmo. Este professor começou por ser um ateu convicto, mas a certa altura da sua vida, graças à seriedade dos seus estudos (doutorado em Biofísica), aproximou-se da experiência religiosa e depois da fé. Hoje é um teólogo conceituado. Entre nós está publicado o livro em que responde a Dawkins: “O deus de Dwakins”, pela Aletheia.

Na sua intervenção em Genebra no dia 27 de Janeiro sublinhou as grandes mudanças culturais que têm conduzido para uma privatização da experiência da fé e para o surgir de espiritualidades eclécticas.

A primeira mudança tem que ver com a generalização da ideia de que nas ciências sociais se deve privilegiar a posição ateia. Torna-se comum hoje que nos âmbitos, por exemplo da pedagogia, se considere que a convicção religiosa é um obstáculo ao progresso. O ateísmo, que bem visto é uma crença – porque se deve “acreditar” que não existe Deus – conseguiu ser a “categoria racional a partir da qual se pensa”. Tornou-se quase normal ver políticos, ou pessoas de comunicação, apresentar os seus argumentos em diversas questões, com esta ideia de fundo. Aquilo que as religiões possam dizer no campo das ciências Sociais é considerado como não neutro, como ultrapassado ou como irracional.

Uma segunda importante mudança, muito propugnada pelas pessoas que dirigem os destinos da União Europeia tem que ver com a privatização da questão religiosa. Na União europeia é bem claro que todos os países defendem a liberdade religiosa, mas o problema está no que se entende por religião. Aquela que parece ser a perspectiva defendida pelos secularistas é a de que a cada pessoa deve ser livre de pensar o que quiser e de acreditar no que quiser, mas não deve expressar publicamente essas crenças ou pretender que estas tenham influência na esfera pública. E também aqui a posição ateia e dos secularistas parece vencer. No fundo parece que a posição de onde se parte é a dos agnósticos: Deus se existe não interessa para a vida real, ou, dito de outro modo, o espaço público deve ser neutro. E, de novo, acabamos por aceitar como posição capaz de acolher as outras a posição dos que acreditam que Deus não existe. Vale a pena pensar no que isso influencia na elaboração de leis e de programas de educação.

Uma terceira mudança tem que ver com a crescente desconfiança das instituições. Antes de mais desconfia-se dos governos, mas também dos bancos, e até dos sindicatos. Talvez a crise económica ainda venha agravar esta posição de suspeita. E, como não podia deixar de ser, também as Igrejas, e em primeiro lugar a Católica, está sob acusação. A facilidade com que se inventam histórias que passam a ser tidas como verdadeiras só porque criticam a instituição é impressionante. Pensemos nos livros de Dan Brown! E, claro, também as instituições têm as suas culpas. Só que pelo pecado de uns tantos não se pode considerar uma Igreja como uma realidade inútil. Seria um juízo histórico injusto esquecer todo o bem e todos os santos que a Igreja ofereceu ao mundo.

Uma quarta mudança nota-se quando em vez de religião se fala de espiritualidade. “Espiritualidade” é geralmente usada como um conjunto de crenças e práticas que dá à pessoa uma perspectiva de vida mais abrangente do que a que era oferecida pelo materialismo. O interessante é que para muitos esta espiritualidade não tem nada que ver com Deus, e menos ainda com as instituições religiosas. Quer-se uma espiritualidade como profundidade de vida mas sem relação com Deus. Como é evidente, com facilidade estas espiritualidades tornam-se uma espécie de sopa onde cabe todas as ideias que agradam e não causem grandes incómodos. Critica-se a religião e as religiões acusando-as de serem responsáveis pelo mal, mas quer-se ter uma espiritualidade.

Para ajudar a estas mudanças aparece também a ideia de que as pessoas religiosas, sobretudo as muito convictas são extremistas e perigosas. O extremismo é considerado como a fonte de todos os males e, por isso, é preciso erradicar todos os polos deste extremismo. Isto sem se fazer nenhuma distinção entre extremismo violente e tudo o que seja uma forte convicção enraizada na experiência de encontro com Deus e esquecendo o que se passou com o nazismo e o comunismo. O 9/11 tornou-se, de certo modo, o mito que dá licença a todas as críticas à religião. A passagem foi simples: criticou-se os “fanáticos da religião islâmica” que se suicidaram para destruir as torres gémeas, de seguida começou-se a se falar de “fanatismo religioso” e pouco depois era já simplesmente a “religião”. Vieram as acusações contra qualquer religião e qualquer tipo de abordagem religiosa. Com slogans fáceis e sem grandes raciocínios foi sendo lançada uma campanha que pretendia passar a mensagem de que “religião mata”.

Em síntese, os novos ateus conseguiram tornar óbvio que religião é irracional, que, por isso, a religião é propensa à violência e que a religião se opõe à ciência e ao desenvolvimento. Que estas três afirmações sejam, como recordou MacGrath, impossíveis de provar historicamente, não parece interessar a quem se opõe com tanto vigor à religião.

Vale a pena ter presente estas etapas da mudança cultural porque muitas vezes na vida das famílias, nos empregos, entre amigos, e mesmo na vida pública, somos colocados diante destas posições como se fossem as vencedoras e precisamos de recordar que a nossa própria experiência de fé diz exactamente o contrário: que a razão se salva pela fé, que a paz se consegue quando temos a consciência de haver um Deus que ama a todos e que o progresso científico nasce de pessoas que estão diante da realidade com a certeza de que há um sentido para tudo o que existe.