Lisboa |
Casa de Chá de Santa Isabel – Vicentinas
Adoçar sorrisos em tempos de crise
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Toda a gente sabe que não há melhor sorriso que o de quem tem uma barriga satisfeita. Que ele adoça o coração como algumas iguarias adoçam a boca. Em tempos difíceis, o açúcar sabe a mel, e os sorrisos a gratidão. E quem diz que a solidariedade já não é o que era, não conhece a Casa de Chá de Santa Isabel – Vicentinas nem o trabalho que todos os dias lá se faz e que reverte para obras de solidariedade social.


Para mostrar que a solidariedade, afinal, se pode fazer durante um lanche de final de tarde, o Jornal VOZ DA VERDADE conversou com Conceição Moreira Rato para descobrir como é que esta casa, fundada há cinquenta anos, passou para as ‘mãos’ da paróquia de Santa Isabel e como foi alvo de uma total reforma e redecoração.

Mas primeiro é preciso fazer uma ‘viagem’ pelo tempo: foi há bem mais de meio século, precisamente na década de 30 do século passado, que nasceu o Grupo de Vicentinas da Obra de Nossa Senhora do Amparo para dar apoio aos tuberculosos da cidade de Lisboa. Cerca de vinte anos mais tarde, o grupo é desafiado pelo padre Américo a apoiar o bairro da Curraleira. Uma zona extremamente pobre, com demasiados problemas de alcoolismo e desemprego. Representantes da alta sociedade lisboeta empenham-se na causa e chegam à conclusão de que uma das formas de ajudar aquelas famílias é através do ensino de uma arte que possa transformar-se em rendimentos extra: a costura.

Vindas das suas viagens às capitais da moda – Paris, Milão... – as Vicentinas forneciam às mulheres do bairro da Curraleira modelos que faziam sucesso lá fora. Arranjavam os tecidos e as máquinas de costura, e de repente os teatros de Lisboa era passereles onde desfilavam os modelitos ‘made in Portugal’, obras delicadas nascidas de mãos trabalhadoras. No entanto, com mais de cinquenta costureiras a trabalhar, começou a ser preciso escoar os modelos ‘último grito’ que não paravam de ser produzidos e que inicialmente eram vendidos durante as épocas de Natal, nas tradicionais vendas organizadas. Foi assim que na década de 1950 a Câmara Municipal de Lisboa cedeu ao Grupo Vicentino o espaço que se transformou naquela que é hoje uma das casas de chá mais conhecidas de Lisboa. Antes um armazém de bananas, hoje um espaço totalmente redecorado e que continua a servir aqueles que são considerados por quem os prova como “os melhores scones do mundo”.

 

Desafio à paróquia e às paroquianas

Antigamente, os scones e o chá “eram oferecidos a quem vinha assistir aos desfiles”, explica Conceição Moreira Rato, que dá rosto aos muitos voluntários invisíveis por detrás deste projecto. E só a história saberá quando os desfiles desapareceram e os scones passaram a ter o papel principal e a ser os favoritos de quem ali vai lanchar, visto que do grupo original de Vicentinas restam apenas dois membros.

Por essa mesma razão, há precisamente um ano, na Páscoa de 2011, o pároco de Santa Isabel, padre José Manuel Pereira de Almeida, foi desafiado a não ‘deixar morrer’ um espaço que tantas recordações guarda das gentes que por ali passaram. Voltou-se para os paroquianos e estendeu o desafio a Conceição Moreira Rato. “Sou paroquiana de Santa Isabel há cerca de oito anos e o padre Zé Manel, que é o meu orientador espiritual, sabia que a minha área é a restauração e desafiou-me a tomar conta da Casa de Chá das Vicentinas. Eu disse logo que ‘sim’. Acho que é o sonho de qualquer pessoa pegar num projecto como o das Vicentinas e voltar a dar-lhe alma”. Conceição não foi a única paroquiana a ser desafiada: “O pároco de Santa Isabel propôs-me, para trabalhar comigo, uma jovem que é catequista da paróquia que também se especializou nesta área”, explica. “Ela ganha com a minha experiência, e eu ganho com a frescura da sua juventude”, continua entre sorrisos.

 

Sala de estar em família

A Casa de Chá de Santa Isabel – como é geralmente conhecida – foi e ainda é a sala de estar favorita de muitas famílias e grupos de amigos. Ao longo dos anos, palavra passa palavra, e os scones das Vicentinas foram conquistando cada vez mais adeptos. O espaço, agora pintado de verde-água e pontilhado de cor-de-rosa suave, convida a tardes inteiras de conversas daquelas que à mesa parecem saber melhor. Mas nem sempre foi assim. Quem passasse pela montra desta casa de chá, há pouco menos de um ano, acreditaria que o espaço não passava de um armazém ou de um antiquário mal conservado.

“Era preciso voltar a dar alma a este lugar, e acima de tudo, conseguir manter os postos de trabalho de quem aqui estava há tantos anos”, recorda Conceição Moreira Rato, que viu uma única solução para salvar o espaço: chamar alguém que o conseguisse transformar sem dinheiro algum. “Era quase pedir um milagre”, recorda.

O milagre acabaria por acontecer. Álvaro Roquette – “decorador, antiquário e com um coração do tamanho dele próprio” – aceitou o desafio que lhe foi feito e “pediu que o pagamento fosse feito em scones”, revela Conceição, a sorrir. “Foi preciso pensar que as pessoas tinham que se sentir em casa. E é isso que gostava que as pessoas sentissem”, explica, enquanto olha em volta, visivelmente satisfeita com a obra realizada. Foi preciso, efectivamente, “mexer em tudo”, revela. Das paredes ao tecto, passando pela iluminação, o restauro do mobiliário e inevitavelmente os serviços de chá e as loiças das casas de banho.

 

Casa de Chá solidária

Como se restaura e redecora um espaço sem recursos? “Apela-se à história da casa, explica-se que os fins são nobres e refere-se a paróquia de Santa Isabel – e a incontornável figura do padre Zé Manel, por quem as pessoas têm imenso apreço”, refere a mentora do projecto. “E numa paróquia como esta, há sempre alguém que conhece alguém que pode ajudar”.

Com muito material oferecido, muitos descontos e a dose certa de boa-vontade, tudo se consegue. “Ainda estamos a pagar as obras. Mas toda a a gente aceitou receber em prestações, e portanto, tornou-se possível”, explica Conceição Moreira Rato, que espera daqui a pouco tempo canalizar os recursos para as obras solidárias da paróquia de Santa Isabel. “É esse o objectivo assim que conseguirmos pagar tudo”, garante.

Mas também há trabalho que não poderá ser pago. Saiu das mãos, do tempo e da generosidade daqueles que não quiseram deixar de participar na ‘nova’ Casa de Chá. “Um dia disse: estas cadeiras têm que ser pintadas”, conta Álvaro Roquette. “E entrámos em pânico porque não havia dinheiro para pintar as cadeiras. Mas depois tivemos um santo que é o João, que passou dias a fio, 'pro bono', a raspar cadeiras, para o dia em que chegassem cá trinta ou quarenta pessoas – o apelo foi feito pelo próprio Álvaro, via Facebook – para ajudar. E foi um dia muito giro. Foi o dia em que se percebeu a dimensão que isto tinha e foi fantástico perceber a alegria que se viveu cá em casa”.

Era precisamente esta mistura de novidade com história que Conceição Moreira Rato tinha imaginado quando pediu ajuda àquele que todos os que lhe são próximos, carinhosamente, tratam por Pita. “Tinha visto trabalhos dele e achei que era precisamente o tipo de pessoa com sensibilidade para pegar nisto e dar-lhe um ar moderno sem estragar o traço antigo, porque eu não queria que os antigos clientes chegassem aqui e não reconhecessem o sítio onde se sentiam bem”, explica ainda. “Mas nunca consegui imaginar que isto ficasse tão bem!”. O próprio Álvaro teve as suas dúvidas, no início, mas garante que “é sempre bom receber desafios. E não sei porquê, mas na minha vida tudo o que é fácil não tem graça”, confessa entre sorrisos. “Se calhar outras pessoas teriam gostado de fazer este trabalho e tê-lo-iam feito tão bem ou melhor. E aqui havia a limitação de não haver dinheiro. O que torna a coisa muito mais divertida”, assegura. “Eu cheguei a dizer: se calhar vamos ter que gastar algum dinheiro... E aí veio o desafio: como tornar isto apetecível com o pouco que existia, que era nada?”.

Verdade é que do nada fizeram tudo e que actualmente, para além dos lanches, ‘As Vicentinas’ servem também almoços – em regime de buffet – e até já disponibilizam um serviço de ‘take away’, tanto de refeições já prontas como de doces. E ainda é possível reservar a casa para jantares ou para festas, se se quiser optar por um lugar diferente.

A confecção é mais do que caseira, porque temperada com generosas doses de entrega e de amor, mas também de solidariedade. “Chamamos-lhe a casa dos milagres. Temos conseguido fazer tudo, mesmo quando às vezes parece não haver solução”, conta Conceição, de sorriso na cara e amor nos olhos.

 

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Sopa ajuda paróquia

As Vicentinas são responsáveis por confeccionar a sopa da ‘Ceia de Santa Isabel’, um jantar que duas vezes por semanas recebe dezenas de pessoas nesta paróquia de Lisboa. “A ‘Ceia de Santa Isabel’ é para quem precisa, mas não só. Pode ir quem quiser! E quem pode, paga a sua refeição e ajuda a pagar a de quem não o pode fazer”, explica Conceição, que até se dedicar à Casa de Chá era uma das organizadoras deste apoio social que conta actualmente com a ajuda de mais de 100 voluntários.


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Uma sala para costura ou explicações

A sala que há muitos anos era casa de costura está disponível para quem a quiser alugar “por um preço simbólico”. Lá podem ter lugar aulas de viola, de costura ou explicações. “Imagine alguém que está desempregado e que nos aluga a sala uma manhã por semana por um preço irrisório. Cobra pelo curso que dá quatro vezes ao mês. O dinheiro que nos é pago serve para recuperar o resto da sala e a pessoa também sai a ganhar. Entra tudo na mesma onda”, explicam os anfitriões. Para saber mais pormenores é só entrar em contacto com os responsáveis do salão de chá.

texto por Margarida Vaqueiro Lopes; fotos por Diogo Paiva Brandão
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