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Hermínio Rico, sj
Desafios do Pentecostes

A narrativa do Pentecostes apresenta-nos um conjunto de elementos estruturais que podem servir como padrões para a avaliação que a Igreja continuamente deve fazer da sua acção: os apóstolos estavam reunidos, em comunhão de sentimentos, fechados numa sala, onde se entregavam assiduamente à oração; subitamente, acontece a experiência da descida do Espírito Santo sobre todos em conjunto, mas poisando uma língua de fogo sobre cada um; como consequência imediata, gente de todas as nações é atraída para eles, começam a falar e acontece que a sua mensagem é entendida em todas as línguas dos ouvintes.

Central no relato feito, e fundamental como base e fonte de sentido de toda a acção, é a experiência pessoal de serem tocados, invadidos, transformados e movidos pela acção do Espírito Santo sentida pessoalmente por cada um. Mas há um antes que torna possível esta experiência, e um depois que a valida e expressa em frutos visíveis.

A Igreja enquanto acção no mundo nasce desta experiência. É aqui que o seguimento se torna missão, que o conhecimento e a sabedoria se transformam em anúncio. Os discípulos viram-se para fora, assumem-se como apóstolos. Esta é a fonte a que é imprescindível manter sempre activa e eficaz: a experiência pessoal e personalizada, sentida como própria por cada um, da força do Espírito que traz sentido e afasta medos, supera hesitações e move à iniciativa, entusiasma e impele ao testemunho, conduz ao encontro dos outros e à actuação no mundo, suscita criatividade e capacidade de comunicação.

Sem esta experiência sempre renovada, a Igreja arrisca-se a começar a ficar tolhida pelos seus receios, a preocupar-se mais com a defesa dos seus interesses que com a sua missão, a ver-se mais contra o mundo do que ao serviço do mundo. Ou, então, pode cair num activismo temerário e arrogante como se toda a verdade tivesse sido adquirida já de uma vez por todas e fosse seu privilégio exclusivo, continuando a falar a partir do seu convencimento, mas perdendo cada vez mais capacidade de se fazer entender e de ser aceite. A experiência pessoal do Espírito precisa continuamente de ser buscada por todos os membros da Igreja; tem que ser esperada pacientemente porque é dom que ninguém controla; e necessita ser acolhida na sua criatividade e na sua surpresa, e, portanto, na sua diversidade, porque não se sujeita facilmente a regras e codificações que lhe querem limitar os canais de manifestação.

Mas, para que continue a acontecer, precisamos de cuidar das condições em que ela pode acontecer. Os apóstolos estavam reunidos em oração. A vida de oração, pessoal e comunitária, é imprescindível para manter aberto o canal de renovação da experiência do Espírito. Mas o Pentecostes serve também como referência aferidora da autenticidade da oração. A verdadeira experiência espiritual traz para fora, leva para o envolvimento, o testemunho, o compromisso encarnado na vida como ela é, em todos os contextos. É o modo como a experiência do Espírito se manifesta no dia de Pentecostes, e os frutos que realiza (que não têm que ser imediatos e espectaculares) que são garantia da sua autenticidade. Uma oração que isolasse a Igreja do mundo, que construísse redomas muito atractivas pela sua serenidade e controlado bem-estar, mas não movesse à solicitude pelos outros e ao empenho na construção concreta do Reino, não passaria o teste do Pentecostes.

A acção desencadeada pelo influxo do Espírito Santo assinala também uma característica essencial do agir da Igreja no mundo enquanto anúncio de uma mensagem de Vida. É o falar dos discípulos que maravilhosamente se adapta aos ouvidos de cada um dos que escutam, provenientes de todas as nações. Sinaliza-se aqui já a extraordinária capacidade de inculturação do Cristianismo em todas as culturas da terra que a história da missionação da Igreja irá provar. Hoje, como sempre, o ónus continua a estar na Igreja, para que adapte a sua linguagem, actualize a sua comunicação, de modo a poder ser escutada por aqueles que necessitam e estariam disponíveis para ouvir a sua mensagem, assim a percebessem. Não são os que ouvem que, de repente, passam todos a perceber a língua dos apóstolos, são estes que falam a língua de cada um.

Esquecer isto, colocar a culpa da fraca eficácia da comunicação na má vontade ou falta de disposição dos ouvintes, seria sinal de menos autêntica experiência pessoal do Espírito, afogada ou distorcida pela resistência a sair de um espaço de conforto que se alimenta da preocupação prioritária por manter hábitos e instituições e da busca de segurança que a reiteração do mesmo de sempre, ou daquilo que teve sucesso no passado, aparentemente garante.

Uma Igreja que busca a experiência personalizada do Espírito, aberta à sua novidade e diversidade, que não se fecha no seu conforto de estufa e se atira criativamente a traduzir essa experiência de salvação de modo que possa chegar a todos, seja qual for o preconceito ou estrutura mental em que estes se encontram: estes são desafios do Pentecostes.