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A. Pereira Caldas
Crise e intervenção

O Arcebispo de Braga e o Bispo de Viseu pronunciaram-se, há dias, sobre a

situação no país. D. Jorge Ortiga disse, no encerramento do Festival Jota, que os políticos pensam, sobretudo, no seu bem-estar ou, pelo menos, no do seu partido e que, “neste momento de crise, não são capazes de encontrar o mínimo de convergência para trabalhar à procura de uma solução”. Por sua vez, D. Ilídio Leandro considerou, em declarações à Rádio Renascença, que a sociedade portuguesa está “cada vez mais desigual” e que os “privilegiados” devem ser chamados a dar o seu contributo para “a construção da Justiça” que, frisou, tem de partir sempre deles.

É importante, no complexo e confuso momento que o país atravessa, ouvir a voz serena mas firme dos Bispos. A Igreja Católica, na sua constante procura do Bem e da Verdade, não pode deixar de intervir, com a força da sua palavra, face à violenta degradação das condições de vida da esmagadora maioria dos portugueses, em nome de um compromisso assumido para “tapar” um enorme buraco financeiro cavado pela desgovernação e pela incompetência, com a crise internacional em pano de fundo.

Custa a acreditar que do próprio Governo tenha vindo, há tempos, a afirmação, por estas ou outras palavras semelhantes, de que era necessário empobrecer o país para combater a crise. E a verdade é que, através das medidas implementadas, o país empobreceu. E com o país empobreceram os portugueses. Os remediados e os que já eram pobres… E “novos” pobres apareceram, saídos, ainda espantados, do exército de desempregados que, quase de repente, se formou e cresceu, imparável.

Não se trata de carregar as tintas, de dramatizar. É a realidade que é um drama – e os dramas não se dramatizam, constatam-se.

D. Jorge Ortiga e D. Ilídio Leandro constataram a realidade e disseram de sua justiça. O que confirma que a Igreja está atenta e não deixa as suas responsabilidades por mãos alheias. Sempre que o julgar oportuno ou perante decisões do poder que firam ou ignorem valores e direitos fundamentais, não deixará de fazer ouvir a sua voz, centrada na defesa e na promoção da dignidade humana. E também por acções o fará, tal como o tem feito, através, por exemplo, do Banco Alimentar Contra a Fome – uma iniciativa que se revelou um extraordinário sucesso.

Claro que há quem considere que a Igreja Católica não deve intervir na esfera da política ou do Governo. São esses “velhos” arautos de um conceito de laicidade que já não se usa e quase faz dela, paradoxalmente, uma espécie de religião. Argumentam eles que em Portugal está bem demarcada a separação entre o Estado e a Igreja. Está, sem dúvida. Mas isso não a pode impedir, como aliás a qualquer outra instituição, de dar as suas opiniões e tomar as suas posições, umas e outras sempre enraizadas na doutrina cristã e pelas quais legitimamente esperam os seus milhares e milhares de fiéis.

Por isso, mais do que um direito da Igreja, a ser respeitado por governantes e políticos, a sua intervenção constitui um dever. E como um direito e um dever, terá de ser entendida: um direito e um dever alicerçados na sua autoridade moral, postos ao serviço do país e dos portugueses no esforço colectivo da luta contra a crise.

Mas – é essencial – com a salvaguarda da pessoa humana como a primeira das primeiras prioridades.