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Livres do medo e medo de ser livres

Encontrei, não há muito tempo, uma notícia insólita, mas ainda assim julgada digna de chamada de primeira página num diário italiano: segundo um inquérito realizado em França, pátria do optimismo positivista das luzes da razão, uma porção significativa da população (a fazer fé no estudo 41%) afirma acreditar nos supersticiosos ditames da sorte e do azar. Com um misto de perplexidade e ironia, o mesmo periódico ilustrava esta informação com a referência às práticas de alguns dos mais destacados líderes mundiais que não dispensam determinadosamuletos, nos quais confiam para conquistar, também eles, a dita sorte!

Para alguns a constatação de que mesmo em sociedades desenvolvidas e escolarizadas permanecem este tipo de práticas e crenças será motivo de escândalo pelo que elas poderão significar de obscurantismo da razão. Mas para quem leia a realidade a partir da experiência do Evangelho e de uma visão integral do homem, o que causa escândalo é, sobretudo, o que elas significam de ausência de liberdade.

Com medo do destino. Com medo dos efeitos dos astros ou de práticas mágicas. Foi assim que, desde os seus inícios, o cristianismo encontrou a muitos. A estes, afirmava: «aí, onde se faz o sinal da cruz, a magia perde toda a força e os sortilégios não têm mais eficácia» (S. Atanásio, Vida de Antão, 78, 5). A cruz de Cristo não era experimentada como uma magia superior, mas, pelo contrário, como o seu fim. Essas práticas e crenças haviam-se tornado impotentes e isso experimentava-se no concreto da vida. Os cristãos eram aqueles que, no meio de um mundo marcado pelo paganismo, se mostravam verdadeiramente livres, porque livres de todo o medo! Estará, neste particular, o nosso mundo moderno assim tão distante do mundo antigo? E a validade do testemunho cristão da antiguidade – afirmação da possibilidade de uma autêntica liberdade – não conservará ainda pertinência? Claro que, hoje como então, isso supõe que pelo menos os cristãos conheçam esta liberdade a partir de dentro.

Devo, contudo, reconhecer que esta questão conhece outros aspectos que a tornam mais complexa. Cabe ainda perguntar se queremos de facto ser livres. Apressar-nos-emos a responder que sim, que todos os indivíduos e sociedades desejam a liberdade (de que liberdade falamos?), que em função deste valor – porventura, hoje o mais estimado – fizeram-se não poucas revoluções e gizaram-se ambiciosos projectos pessoais e políticos. Mas não será também verdade que, de forma muito paradoxal, uma liberdade autêntica inspira um certo temor, no próprio e nos outros? Que ser livre supõe um certo arriscar que nos desinstala e que, consequentemente, nos faz caminhar sem mapa predefinido ou sem que de fora nos digam constantemente que fazer ou pensar? Talvez hoje, ainda não sejam muitos os que estão dispostos a ser livres assim, como opção assumida, porventura mesmo entre cristãos. É que ser livre supõe maturidade e custa sempre crescer!