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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Obviamente, demita-se!

[Manifesto de um imaginário esquerdista ululante, presidente de um não menos imaginário Banco Alimentar a Favor da Fome]

«Subscrevo o abaixo-assinado contra a Presidente do Banco Alimentar Contra a Fome, pelas razões que passo a enumerar.

1º. Por causa do seu nome. Isabel é nome de rainha e, pior ainda, de santa: duas inconveniências numa só palavra são de mais! Se assinasse qualquer nome, mais laico e republicano, era bem melhor. Ainda por cima, a sua santa homónima fez o milagre errado: não se pretende que os alimentos se convertam em rosas, mas estas em pão!

Se o nome próprio não ajuda, o apelido muito menos: Jonet! Soa francês e parece uma versão branqueada do execrável Junot! Não é aceitável que uma estrangeirada comande uma legião de voluntários que, periodicamente, nos assaltam à entrada dos supermercados. Os pobres precisam de francesinhas e não de afrancesadas!

2º. Porque é presidente de um banco, ou seja, é banqueira! Portanto, faz parte da oligarquia que explora os pobres. Já pensou na contradição de uma Sopa dos Pobres promovida pelo BPN?! Banqueira foi só uma, a do povo e mais nenhuma! E – lembre-se! – a D. Branca acabou na prisão! Nada de Banco, se não quer acabar no dos réus: essa entidade que ainda dirige tem que passar já a Sindicato Alimentar ou, se quiser, a Bitoque de Esquerda, porque é nosso o monopólio do social.

3º. Porque fez umas declarações incríveis: foi à televisão dizer coisas sensatas e, pior ainda, verdadeiras! E se o governo dissesse a verdade sobre a crise, a oposição não prometesse o que sabe que não poderá dar e as centrais sindicais não aldrabassem sobre as adesões às greves?! Desculpe, mas com verdades e bom senso não se vai a lado nenhum! Não é para isso, nem para todos, a liberdade de pensamento e de expressão!   

4º. Porque é contra a fome. Mas, se um banqueiro normal não pode ser contra o dinheiro, a presidente do banco alimentar não pode ser contra a fome! Até porque a fome é necessária. Como sabe, as revoluções fazem-se em jejum. Com a barriga farta, não há quem proteste! As suas sopinhas querem transformar a raiva proletária numa piedosa resignação cristã e, com tanto conformismo, fica o caldo entornado. Leia quanto antes Marx – não o Groucho! – e aprenda, de uma vez por todas, que é preciso exasperar a classe operária, para que seja carne para o canhão da revolução!

5º. Porque é católica, o que é um insulto para a laicidade das instituições sociais. Não sei se sabe, mas há muito que os pobres foram nacionalizados, antes até dos bancos: por sinal, porque raio o seu ainda o não foi?! Já não há pobrezinhos paroquiais: agora são todos do Estado, são todos do povo, são nossos. Esta foi uma das principais vitórias de Abril! Se a Igreja quer ter os seus próprios pobres, para promover bazares e canastas de marquesas, que os arranje à sua custa, mas os pobres nacionais não pertencem a nenhuma religião, porque estão ao serviço das ambições políticas da esquerda! É que, se nos tira os pobres, que nos resta?! Se já nem ideologia temos …

6º. Porque faz caridade. Sabe porquê? Porque assim, depois de um lauto banquete, já não lhe dói a consciência por ter comido à tripa forra, em uma hora, o que dava para alimentar, durante um mês, cem crianças. Mas a sua caridade é a mordaça da hipocrisia que sufoca, na garganta do pobre, o grito da justiça. Se quer solidariedade social, deixe de brincar à caridadezinha e pugne pelos direitos dos proletários. É verdade que o marxismo não encheu as barrigas dos explorados, mas encheu a esquerda de arrogância e superioridade moral, embora não saibamos bem ao certo o que é um necessitado, porque nunca vimos, nem servimos, nenhum.

Concluindo e resumindo: demita-se! Bem sei que, se o fizer, o Banco Alimentar, as dezenas de seus trabalhadores, as centenas de voluntários, os milhares de dadores e os milhões de pobres a quem discreta e heroicamente serve, através de tantas instituições maioritariamente cristãs, ficarão a perder. Mas ganharia a sua imagem, refundada em termos politicamente correctos, e uma meia dúzia de sujeitos bem-pensantes, que nunca fizeram nada por quem tem fome. Já agora … alimente esta ideia!»