Artigos |
P. Duarte da Cunha
Renascimento religioso na Europa? Desafios para a Igreja Católica

Em 1968, o sociólogo da religião Peter Berger tinha anunciado, com base nos seus estudos científicos, a famosa tese de secularização, segundo a qual a religião seria um fenómeno em vias de extinção. Dizia ele numa entrevista ao New York Times nesse ano: "No século XXI os crentes serão encontrados apenas em pequenas seitas, que se juntarão para resistir à cultura secular no mundo". O mesmo sociólogo, em 1999, reconheceu que se tinha enganado e que as suas conclusões nos anos sessenta, que tinham sido seguidas por tantos sociólogos, foram, na realidade, baseadas num desejo ideológico mais do que numa observação realista.

Na verdade, o mundo de hoje, mesmo que muito secularizado nos seus costumes e sob tantos aspetos em conflito com a religião instituída e de modo especial com a Igreja Católica, não dispensou Deus, antes, pelo contrário. As pessoas não deixaram de acreditar em Deus e de esperar que Deus ajude. O que acontece, porém, é que tem crescido o número de religiões e grupos religiosos sem raízes históricas, não institucionais. Este fenómeno tem uma dimensão considerável não só em África ou na América Latina, mas também na Europa, como ficou patente no encontro anual do Conselho das Conferências Episcopais da Europa e da Conferência das Igrejas Cristãs da Europa que acaba de ter lugar em Varsóvia (de 4 a 6 de fevereiro). Hoje, quase um quarto das pessoas cristãs pertencem a estes grupos não convencionais e sem ligação a nenhuma Igreja histórica. Com a ajuda da professora Eileen Baker, da London School of Economics, especialista de renome internacional de sociologia da religião e que fez a introdução sociológica do fenómeno, as duas delegações abordaram os desafios e oportunidades que os chamados novos movimentos cristãos apresentam às Igrejas tradicionais.

Muitos destes grupos, por vezes chamados seitas, não se identificam com as Igrejas e comunidades cristãs que já têm alguma tradição. Aliás, nascem, normalmente, contra estas Igrejas. São movimentos ou grupos que dificilmente podem ser enquadrados numa única categoria, mas que têm algumas características comuns, como a existência de um líder carismático, ou o facto de serem comunidades pouco estruturadas. Normalmente oferecem um ambiente comunitário acolhedor onde o recém-chegado é tratado como uma pessoa especial e ajudado - inclusive economicamente se necessário, ainda que em alguns casos lhe sejam depois pedidas contrapartidas. No que diz respeito às questões doutrinais, normalmente usam apenas a Bíblia de que fazem uma interpretação simples e de tipo fundamentalista. Para muitos destes grupos, o mundo divide-se entre os bons e os maus, ou seja, nós e eles, e não há nada entre os dois grupos.

Para a Igreja Católica é claro que a simples existência destes grupos é um grande desafio. Não podemos deixar de nos questionar e perguntar o que leva as pessoas a aderirem a estes grupos em vez de permanecerem na Igreja. Não há dúvida que eles são um dos muitos sinais de que a dimensão religiosa não desapareceu. Mas também é certo que muitos destes grupos acabam por beber a cultura imediatista e consumista do mundo ocidental e, para muitos dos que aderem a estes grupos, a religião é um produto de consumo, onde cada um procura a resolução dos problemas de saúde, económicos, afetivos, laborais.

Podemos e devemos, enquanto Igreja, ser capazes de avaliar o fenómeno e de ser críticos. Porém, há alguns aspetos positivos. Diante deles, a Igreja sente-se chamada a centrar-se mais naquilo que é a sua essência e a evitar cair em certos horizontalismos de outros tempos onde uma certa teologia da morte de Deus tentou promover uma esperança sem Deus. Estes grupos recordam que a Igreja precisa de falar mais claramente do kerigma Cristão, ou seja, do anúncio de Jesus Cristo, da Sua Morte e Ressurreição, da vida eterna, da Redenção que vence o pecado e da Santíssima Trindade que nos criou à Sua Imagem. Só a partir desta fé ela depois pode falar do empenho social e da promoção da justiça. Além disso, a Igreja percebe que para ser a casa onde cada um pode encontrar Deus deve ser acolhedora e não burocrática. Não podemos pensar na nova evangelização e ao mesmo tempo enchermos a Igreja de estruturas e papeladas burocráticas como acontece em alguns países da Europa. Mas muito importante é também, e sobretudo, testemunhar a confiança em Deus, experimentar e anunciar o amor do Senhor com uma vida espiritual forte, com uma catequese segura e com uma liturgia bela e capaz de introduzir a pessoa no Mistério de Deus. A Igreja Católica, como aliás acontece também nas comunidades protestantes e nas igrejas ortodoxas, precisa de manter viva a sua identidade. Será isso que vai atrair mais gente, porque é desse modo que ela se torna transparente ao Senhor, e só Jesus Cristo é capaz de atrair e de levar a pessoa a fazer um caminho de conversão que passa do entusiasmo inicial à estabilidade de uma pertença convicta.