24.02.2013
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Hermínio Rico, sj
Quaresma, fragilidade e Bento XVI
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Há quinze dias, procurava duas ou três frases curtas que ancorassem um pequeno texto de motivação para a vivência da Quaresma. Acabei por escrever que Quaresma é tempo para procurarmos mais liberdade, reconhecendo as nossas fragilidades e impotências e entregando-nos à força transformadora de Jesus Cristo, para que, morrendo com Ele, com Ele ressuscitemos.
Poucos dias antes de começar a Quaresma fomos surpreendidos com o anúncio do Papa Bento XVI, baseado no confessado reconhecimento da sua incapacidade para continuar a cumprir o ministério a si confiado. O Papa reconhece a sua fragilidade. Faltam-lhe as forças, “o vigor quer do corpo quer do espírito”, e por isso renuncia. No primeiro Domingo da Quaresma, o tradicional Evangelho das tentações mostrou-nos mais uma vez como Jesus não foge da fragilidade humana e de todas as suas consequências. É tentado a fazer uso das suas prerrogativas de Messias para se defender, para se afirmar facilmente diante dos outros, ou para garantir sucesso imediato. Mas Jesus não se quer apresentar invulnerável, poderoso ou triunfante. Recusa lançar mão, para vantagem própria, de tudo o que esconda ou contorne a sua fragilidade. A encarnação – assumir a condição humana em toda a extensão, incluindo os limites – não é posta entre parêntesis por considerações pragmáticas ou utilitaristas justificadas por um aparente benefício para a sua missão. A Igreja não pode querer ser mais que Jesus. E também não é menos tentada a esconder ou suprir apressadamente as suas fragilidades, não tendo a mesma prontidão e a mesma força de Jesus para as desmascarar e lhes resistir. A sua história bem o mostra. A sua exuberância e maior força de testemunho aconteceram sempre em situações externas de grande fragilidade. E, pelo contrário, quando sucumbiu às tentações da força, do poder, dos comportamentos arrogantes enfraqueceu-se na sua identidade e na sua missão. Bento XVI acordou-nos para isso com o seu gesto. A primeira reacção que todos tivemos foi de choque, um sentimento instantânea de que algo importante e valioso tinha acontecido no nosso presente. E, embora em perplexidade, parece ter sido imediatamente intuído que se tratava da decisão certa no presente e profundamente significativa para o futuro. Apesar disso, algo ruiu. Talvez tenha sido o sortilégio de uma tentação a que subtilmente fomos capitulando – considerar e olhar o Papa como super-humano. Afinal, não é e nem tem que ser e até é melhor que não seja. Esta renúncia devolve-nos a nós Igreja uma Igreja mais conscientemente condicionada pela nossa fragilidade. Talvez se venha a tornar claro muito rapidamente que esta revelação de fragilidade, afinal, deu mais força ao papado e à Igreja. “Quando sou fraco, então é que sou forte”, dizia S. Paulo, a partir da sua experiência muito profundamente sentida, quando escrevia aos Coríntios. Não há problema nenhum em sermos frágeis, aceitarmos isso e tirarmos as consequências. Não há, portanto, razão nenhuma para ter medo, para nos incomodarmos que a Igreja torne patente ser uma instituição atravessada pela fragilidade e servida por pessoas frágeis, com limites e forças que se esgotam. Uma Igreja frágil à imagem do caminho que Jesus escolheu para a sua missão é uma Igreja mais verdadeira e, paradoxalmente, mais forte. Obrigado Papa Bento por nos recentrar, para esta Quaresma, numa Igreja cristã mais crística! É esta Igreja que teremos muito diante dos nossos olhos durante esta Quaresma. É nesta Igreja, e por este caminho da fragilidade subitamente tão sublinhado, que somos convidados a fazer a nossa própria caminhada de Quaresma.