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Hermínio Rico, sj
Ainda o Tríduo Pascal

Pode parecer já fora de tempo, mas agora é que é a altura de olhar cuidadosamente para este assunto – muito sério para a vida da Igreja, na minha opinião. Ponto de partida: não que fosse grande surpresa, mas este ano chocou-me particularmente a fraca participação dos fiéis nas celebrações do Tríduo Pascal. E fraca relativamente à participação regular nas celebrações dominicais. Chocou-me ainda mais que haja comunidades que são sede habitual de celebração dos sacramentos para muita gente e que nem sequer realizam as cerimónias do Tríduo Pascal. Quer dizer, para muitos dos católicos, mesmo muitos dos “praticantes”, para comunidades inteiras e até para alguns responsáveis pastorais por essas comunidades, as liturgias próprias do Tríduo Pascal parecem ser uma coisa secundária, com carácter optativo, que, aparentemente, não merecem o esforço necessário para as preparar e nelas participar.

Então a Páscoa é uma celebração acessória no ano litúrgico? Não é o Mistério Pascal a matriz de toda a vida cristã e a fonte de sentido teologal e simbólico de toda a celebração sacramental? Não é esse o centro de tudo, donde tudo flui e à luz da qual tudo se percebe e sem o qual os gestos e as palavras de cada celebração dominical ou sacramental ficam com o seu significado mais profundo menos claro? Como é que podemos manter vivificada a nossa iniciação baptismal, valorizar cada vez mais o carácter transformador do alimento eucarístico, ir percebendo o desenvolvimento da nossa própria história pessoal e comunitária de salvação... se passamos, cada ano, ao lado precisamente da ocasião litúrgica que nos convida a considerar, meditar, aprofundar o conhecimento, personalizar a experiência do amor oblativo de Jesus expressado na sua entrega da vida, na sua morte e na sua ressurreição, que são a referência, o princípio e o fundamento de tudo isso?

Esta a razão do meu choque. Que tipo de referência à vida de Jesus é que alimentamos? O que é ser cristão batizado que vive de e no Espírito de Jesus ressuscitado? Como é que isto pode ser efectivamente vivenciado na nossa prática individual e comunitária cristã se não é regularmente celebrado? Ou nunca foi, já que muitos membros das nossas comunidades cristãs nunca participaram no ciclo das celebrações litúrgicas pascais? É aceitável ficar pela ligação duns mínimos ritualistas que vai até ao esforço da missa dominical, mais ou menos habitual, mas que não conhece, não se interessa ou não tem disponibilidade para mais nada além disso? E como é que alguma vez se vai perceber o significado e alcance profundo da eucaristia e do baptismo sem perceber e vivenciar o Mistério Pascal de Jesus?

Sobra, então, a Páscoa como apenas mais uma oportunidade de férias. Escandaliza-me que para muitos católicos a prioridade seja pensar o que vão fazer nas férias e não o modo como vão celebrar os eventos fundantes da sua fé religiosa e do sentido que professam para toda a vida.

Não se trata de condenar ninguém, nem interessa estar à procura de atribuir culpas. Mas que há aqui um desafio catequético e pastoral muito importante, não cabe dúvida. Como Igreja, somos todos responsáveis por procurar mudar estes hábitos, preencher esta lacuna de formação e de sensibilização.

Há que esclarecer, dar catequese, explicar o modo e o sentido das celebrações pascais. Suscitar curiosidade e criar desejo de participação. E depois, a exigência de programar, preparar e oferecer celebrações atractivas, claras nos significados que expressam e que medeiem eficazmente a apropriação pessoal do sentido salvífico da morte e ressurreição de Jesus para a vida de cada um de nós baptizados. Dá trabalho, claro. Por isso é que é bom começar já a pensar no próximo Tríduo. Para que sejam cada vez menos os cristãos que vivem o absurdo de celebrarem tudo no ano litúrgico, menos a Páscoa!