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Pe. Alexandre Palma
Reflexão: um outro défice

As crises do tempo presente, variadas na sua forma e na sua substância, têm a vantagem de pôr a nu muitos dos défices que hoje atravessam as nossas vidas e instituições. Com crua evidência vai-se hoje tornando mais claro como as insuficiências do presente têm, com frequência, as suas causas em insuficiências do nosso passado. O que não semeámos ontem não podemos colher hoje. O que não semearmos hoje não poderemos colher amanhã.

Seria redutor ver nesta observação apenas a descrição do que, por estes tempos, se vai verificando na sociedade portuguesa e na sua economia. Estou em crer que algo disto se vai também tornando visível na vida eclesial. Em tempos que «pedem nova evangelização» (D. Manuel Clemente), também a Igreja é levada a rever as formas como vem semeando o Evangelho. Isto sem ignorar tudo o que essas formas trouxeram de bom (e é muito), mas também sem esconder tudo o que há nelas de deficitário.

Vai-se hoje consolidando a convicção de que um dos vícios em que a acção eclesial pode sempre incorrer é, precisamente, o do activismo. Para isso muito tem contribuído o amadurecer da fé nas famílias e comunidades cristãs, mas também os reiterados alertas dos seus pastores (Papas e Bispos). O activismo será uma espécie de excesso de generosidade que leva a confiar mais no engenho humano que na graça divina; a investir tudo no fazer e não tanto no que lhe pode dar suporte. Os riscos são óbvios: um modo de agir decalcado dos procedimentos do mundo; uma Igreja moldada mais a partir das nossas realidades do que de Deus e da sua Palavra.

A crítica a uma tal atitude concentra-se, sem grandes excepções, na denúncia de um défice de oração na vida e acção eclesiais. O activismo é um défice de oração, é um défice de densidade espiritual. Com efeito, a oração como que recoloca qualquer gesto eclesial no sítio certo: como extensão de um encontro íntimo com o próprio Senhor; como um impulso de ordem espiritual, não tanto como uma técnica institucional. A oração será pois o antídoto mais recomendado para obviar ao activismo.

Não discordo nem do diagnóstico nem da solução proposta. Parece-me, contudo, que há no activismo ainda um outro défice não suficientemente percebido e, portanto, ainda não verdadeiramente enfrentado: um défice de reflexão. O activismo é também um défice de pensamento, um défice de densidade intelectual. Fazer sem parar para reflectir no que se faz, como se faz, para que se faz, para quem se faz tende a criar um deserto e um desgaste em tudo semelhantes àqueles criados pela acção desacompanhada da oração. E mesmo quando essa oração até está presente, se a acção ainda assim não procura pensar-se a si própria normalmente sobra-lhe em fervor espiritual o que lhe falta em discernimento e sabedoria. Em tempos de crises, será precisamente de discernimento e sabedoria que mais andaremos necessitados. Sabedoria que, não por acaso, é na Sagrada Escritura um dos nomes de Deus.